quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

RESSURREIÇÃO


RESSURREIÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

Ainda verei o cravo se soltar abrupto da palma da mão
E como cravo brotar de sementes sem água e sem chão.
Ao lado dele haverá de brotar arroz e a Última Flor do Lácio.

Sei que junto virá a chuva água abaixo, abundante e fértil;
Fará renascer fresca, por entre as rachaduras do solo estéril,
As minas emudecidas. Das minas surgirão rios caudalosos.

Na ara nua não haverá mais ofertas de sacrifícios cruentos.

Estaremos então, todos ressuscitados de nossos tormentos.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

ANTEONTEM


ANTEONTEM
Oswaldo Antônio Begiato

Anteontem,
pé ante pé,
caminhei com anteolhos
por conta de uma antepaixão
que me veio de anteparo,
antepondo um dilema:
- Antes tarde do que nunca.

Diante de tudo isso
e ante minha descoberta,
fiz-me, antequanto,
ente e rente,
como dantes no quartel d’Abrantes.

domingo, 5 de dezembro de 2010

PRESUNÇÃO


PRESUNÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

Há no Universo estrelas tolas.

Uma não suporta
a luz da outra.

Elas amam a escuridão;
sabem que sem escuridão
sequer vida teriam.

Não queiram me dar notoriedade.

Nasci no fundo do mar
com o destino de ser ostra.
Vivo da iridescência do nácar.

Meu cenário é a escuridão,
mas jamais serei estrela.

Não terei luz para iluminar tua passagem,
mas te fornecerei pérolas
para que tu sejas a luz no meio da festa.

sábado, 27 de novembro de 2010

DERMO-ÓTICA


DERMO-ÓTICA
Oswaldo Antônio Begiato

Hoje estou feliz como nunca estive antes.

Sinto minhas alamedas cheias de bonanças,
Meus canteiros revirados pelo cuidado alheio,
Meus vácuos encurtados pela presença da verdade.

Sinto minhas sombras povoando os relógios de sol,
Minhas distâncias sendo medidas pelos sextantes.

Apesar de tudo, de todos.
Apesar de nada, de cada.
Apesar de pouco, de louco.

É que hoje você está mais radiante do que uma chuva de meteoros,
E suas mãos puderam me ler do princípio ao fim.

domingo, 21 de novembro de 2010

TUA CARNE


TUA CARNE
Oswaldo Antônio Begiato


Juntas, tua carne e tua luz são uma delícia.

Mas o que importa isso agora,
meu inesgotável amor,
se de tão velha a poesia
ela já não tem mais sabor,
não tem mais calor,
não tem mais cor,
não tem mais dor?

Escarneci-me todo na falta de presença:
- Ficaram carne, luz e poesia incomestíveis.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

CARA CARÍSSIMA



CARA CARÍSSIMA
Oswaldo Antônio Begiato
 
Quando eu nasci
disseram pra minha mãe
que eu tinha cara de joelho.

Quando adolescente
diziam que eu tinha uma cara
nas minhas espinhas.

Agora que envelheci
dizem que precisam afastar minhas rugas
para poderem enxergar minha cara.

Desconfio que nunca tive uma cara de verdade.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

RESSURGIMENTO


RESSURGIMENTO
Oswaldo Antônio Begiato

Ganhei uma rosa
Leve como uma forma,
Breve como uma linha,
Fina como a esperança,
Bela como o mármore,
Donzela como a aurora,
Champanhe como o arroubo.
 
Ganhei uma rosa
Feita de brisa lenta,
Assim, como um alívio;
Feita de folhas virgens
Assim, como uma viagem.
 
Ganhei uma rosa
Feita de muitos versos,
Versos de plenos anversos.
 
Ganhei uma rosa. De ti.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

POEMA RICO


POEMA RICO
Oswaldo Antônio Begiato

Gostaria que abundantes me fossem
as palavras.
Mas elas me fogem
se fazem magras,
raquíticas,
e parcas.
(Me deixam mudo
diante desta mulher.)

Gostaria que intensos me fossem
os diamantes.
Mas tenho apenas uns cristais
que se quebram quando meu olhar
os toca sem sentido.
(Me deixam pobre
diante desta mulher.)

Mas tenho dentro de mim um coração,
que mesmo mudo,
bate enlouquecido
e como uma ostra vaidosa,
cria com o seu bater doído
a pérola mais linda
que já se viu.
(Me deixa como jóia rara
diante desta mulher.)

Me deixa como poeta
diante desta mulher.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

TANTO, TANTO!



TANTO, TANTO!
Oswaldo Antônio Begiato

Gosto da poesia de versos livres.
Nela, livre, posso inventar um verso raro:
- Eu te amo Esperança -
Sem me ocupar com a métrica das minhas esperas,
Nem trabalhar as rimas que meu amor confesso não tem.
Assim posso, do mesmo modo, livre, inventar outro verso com tamanha raridade:
- Esperança, por Deus, como eu te amo!

Mas bom mesmo é poder dizer, aprisionado no meio dos versos livres,
Como, cativo, lhe digo ao pé do ouvido,
Quando enamorado eu, me faço temporais no oceano dela
E apaixonada ela, se faz turbilhões no meu ramerrão:
- Mulher, eu te amo tanto. Tanto!
(O big bang parece acontecer entre quatro paredes e dois corações.)

domingo, 24 de outubro de 2010

REINÍCIO


REINÍCIO
Oswaldo Antônio Begiato

Como me pediste, farei restauro de tuas obras-primas,
As que o tempo deteriorou por tua falta de cuidado,
E nada cobrarei de ti por isso. Nem um centavo.

Uma condição imponho. Peço que não me cobres
Os olhos tristes que querias ver no meu rosto,
Retrato que são do pouco-caso que me fizeste.

Estão a sete chaves no vácuo de meu desprezo.

Não os darei a ti. Juro que não. Nem que supliques.

sábado, 16 de outubro de 2010

SONETINHO BESTA


SONETINHO BESTA
Oswaldo Antônio Begiato

Correndo, vim aqui lhe mostrar encabulado,
Um sonetinho besta que fiz para você, às pressas,
Com palavras que encontrei, ontem à noite,
Presas por um fio na saudade que me exauria.

Fí-lo por ouvir seu canto no canto escuro do palco,
Por ver o brilho de seus olhos iluminando tudo,
Sem que me visse. Sei que anda zangada
Com o ciúme enlouquecido que sinto de sua voz.

Mas vim mesmo porque queria que soubesse
Que ando seduzido pelo seu canto de cigarra
Dando alívio às minhas noites solitárias de boemia;

E que quero ser, eternamente grato por sê-lo,
A formiga que sustenta com alegria pródiga
As suas fantasias de menina fugaz e volúvel.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

AS FLORES


AS FLORES
Oswaldo Antônio Begiato

As flores rubras,
despencadas da tenra primavera,
amanheceram na poça de óleo
mitigadas por gotas geladas de sereno.
Tão delicadas! Tão flores!

Faziam um reflexo rubro-negro
sobre a profundidade inviolável;
sobre o abismo intemporal;
sobre o infinito inescrutável.
Tão copiosas! Tão flores!

E nada mais no Universo todo
continha tanta doçura e tanta tristeza e tanta eternidade
como aquela imagem solitária abandonada à margem da rua.
Tão infindáveis! Tão flores!

domingo, 26 de setembro de 2010

A VESTE COM A QUAL QUERO ME VER COBERTO


A VESTE COM A QUAL QUERO ME VER COBERTO
Oswaldo Antônio Begiato

Perco-me nas palavras e não consigo encontrar
Aquela capaz de traduzir o medo de ver as vestes do tempo
Com as quais meu corpo teme ser coberto.

Penso que elas me fizeram outra pessoa,
Mas quando olho dentro de meus olhos
Vejo a inalterabilidade de meu íntimo. Estou nu.
Lá o tempo não me envolveu. Ainda há um pequenino me habitando,
Brincando de envelhecer, sem juízo. Lúcido. Feliz.

Rompido por trancos inesperados diante de tanta infância interna
E de um corpo tragado pelo roer impiedoso dos passamentos,
Refugio-me dentro de mim mesmo,
Onde fico protegido pelo manto parcial de meus olhos.
Onde fico criança eterna escondida das horas algozes.

E é tão bom ficar assim. Sem roupa. Sem corpo. Sem caduquices. Sem nada.
Guardado como joia rara que o tempo não ousa corromper
Com o pó da senilidade.
Guardado dentro de olhos tão maternos.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CANTIGA DE NATAL


CANTIGA DE NATAL
Oswaldo Antônio Begiato

Quando o natal vem chegando
meus vácuos, prole da infância,
se enchem de Avenida Paulista,
de formas e lâmpadas surreais,
de presépios sobre-humanos,
de presentes multiangulares,
de Boas Festas de Assis Valente...

Todo ano, no mês de dezembro,
com as preces cheias de vitrines
e de dúvidas sobre um céu ouvidor,
desperta em mim a criança viva
que nunca fui. Que nunca vi.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

EIS MINHA AMADA


EIS MINHA AMADA
Oswaldo Antônio Begiato

Com mãos faceiras e hábeis
Tomou seus versos impuros e sovados
Lavando-os com água fresca e amaciante.
A mais amante.

Pelo avesso,
Para que eles não perdessem suas rimas,
Entregou-os ao sol, através de varais fincados nos quintais,
Para que fossem iluminados com a luz da estrela.
Era tão bonito vê-la.

Enxutos, passou-os sob ferro em brasa
Borrifando neles perfumes feitos com extrato de flores
E lhes conferiu vincos impecáveis.
Poder-se-ia sentí-los sem pecados.

Feito isso, limpos e ordenados,
Guardou-os nas muitas gavetas de meu livro de cabeceira.

Fez-me apaixonado.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

AS PERNAS


AS PERNAS
Oswaldo Antônio Begiato

As pernas
outrora finas e esbeltas
eram tão levianas.

As pernas
agora gordas e inchadas
ficaram pesadas.

As pernas
outrora levianas e finas
deixavam rastros profundos,
agora pesadas e gordas
deixam só rastros discretos.

A vida é assim mesmo.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

SEGREDO DE POLICHINELO


SEGREDO DE POLICHINELO
Oswaldo Antônio Begiato

Frágil, tenho medo de que revele
O segredo que lhe deixei
Guardado dentro de nosso beijo.

Quebro-me fácil dentro de sua boca;
Meus pedaços lhe entrego, sem defesas.

No meio deles, os ruídos;
Nos ruídos, a sintonia;
Na sintonia, as semibreves,
Nas semibreves, as sílabas;
Nas sílabas, as conjunções;
Nas conjunções, minha carne;
Na carne, o beijo irreversível;
No beijo, o segredo que lhe deixei.

Frágil, tenho medo de que o revele.

domingo, 22 de agosto de 2010

SACIAMENTO E PAZ


SACIAMENTO E PAZ
Oswaldo Antônio Begiato

Vulcão ativo que és, com teu inesgotável amor
Explodindo no cume das nossas existências,
Ejaculas larvas de dentro de tua medula;
Larvas que o fogo das lavas não matou.

Elas lavram o campo de nossas esperanças;
Transmutam-se em borboletas coesas,
Lavam nossos ventres impuros e estéreis
E, sem dor, nos engravidam de trigo e trégua.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

BLEFES


----------------------> O Menino da Lágrima, de J.Bragolin


BLEFES
Oswaldo Antônio Begiato

Não consigo gostar
desse jogo de baralho
onde abundam
sotas de ouro,
valetes de paus,
e blefes insólitos.

Enquanto ás de espadas
eles se acomodaram
dentro de uma cesta,
na hora da sesta,
sexta passada.

Macambúzio e rei de copas,
vou me mandar
para São José dos Ausentes
onde o frio é intenso,
o amor também
e não tenho parentes.

E que me tragam
uma jovem virgem
(ela chegará virgem
e virgem partirá)
para me aquecer,
dentro de uma cesta,
na hora da sesta,
sexta que vem,
feito Davi, o rei,
na sua velhice.

Não quero mais chorar de frio.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

FUNERAL


FUNERAL
Oswaldo Antônio Begiato

Derramem sobre minha pele
um jarro de perfume suave
e esperem a noite chegar.

Durante a noite enfeitem
o meu corpo com tintas claras;
o leito de morte
com as flores mais meninas,
fecundadas em afetuosos toques
pelo vento brejeiro,
cuja gentileza se fez semeadura
por entre meus cabelos
e cuja brandura,
obrigação cotidiana nossa,
amantes que fomos.
Deitem minha carne na jangada.

Estarei então pronto. Ateiem-me fogo.
Aquecido partirei
nos curtos braços do amor.
Com meu corpo em chamas
descerei a correnteza do rio até me consumar.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

BEIJO DE LUZ AZUL

--------------------------->Menino Pedinte, obra de Juliana Motzko

BEIJO DE LUZ AZUL
Oswaldo Antônio Begiato

tirei de meus armários
os esqueletos empoeirados
e ao tempo confiei para airá-los

vesti-os com flores amadurecidas
e estrelas prateadas caídas do espanto
nos olhos deixei entrar verdades cristalinas
e aqueci os ossos com abraços incandescentes

dentre todos eles muitíssimo belos
escolhi para mim um pequenino
mirradinho e caladinho
que tinha no sorriso uma noviça ilusão
de onde partia em direção à minha boca
um beijo de luz azul

um beijo infinito de luz azul

sexta-feira, 23 de julho de 2010

BEIÇOS, BEIJOS E DESEJOS


BEIÇOS, BEIJOS E DESEJOS
Oswaldo Antônio Begiato
 
Enquanto o rio corre molhando os pés da inocência
E pesadas pedras se escondem das carícias úmidas
Amo. Amo com todo o ímpeto de meu sangue.
 
As recriminações se põem a mexer com meus nervos.
As dissipações dos sentimentos foram pagas com juros
Aos corações certos e nas datas indicadas pelo pranto.
 
Afogo-me em correntes cristalinas como um cão sedento.
 
Entre pedras fico sem beiços para ofertar beijos. É o fim.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

VISITA PURPÚREA


VISITA PURPÚREA
Oswaldo Antônio Begiato

Por aqui, hoje, o sol se fez visita
E meus olhos angustiados se encantaram.
Fiquei com alma de cidade grande
E esperanças de porto pequeno.

O mar sem medidas e limites se abriu miúdo
Deixando-me agigantado e entorpecido
Diante de um horizonte colorido de batom
A abraçar-me em arrebatamentos espantosos.

Pude tocá-lo suavemente com mãos brancas,
Em sua ara depositar ofertas vermelhiças,
Experimentando a ternura, rebento milagroso
Da vida que acontece a cada ínfimo olhar.

O homem mal feito, impregnado de vícios,
Se viu criança com pincéis de luzes coloridas
E uma imensa tela bordada, feita de céu,
Brincando distraído no quintal do Universo.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

IMPERFEITO SONETO DO AMOR MADURO


IMPERFEITO SONETO DO AMOR MADURO
Oswaldo Antônio Begiato

Vim aqui fazer uma visita breve
Mas trouxe, no estribo da boca, o verbo,
Porque viver mesmo, sem dizer “eu te amo”,
Ninguém vive. Ninguém sobrevive. Ninguém.

Não quero que a fascinação te cegue,
Nem quero o despojamento te calando,
Quero-te com os ouvidos soltos aos sons
E o coração leviano, manso e entregue.

Assim poderei dizer: - Te amo! Sem medos,
Com todas as palavras expostas pela dor
E que o silêncio escondeu de mim e de ti.

Que minha vida continue sempre assim
Jamais precisando te perdoar nada,
Mas sempre precisando te pedir perdão.

sábado, 10 de julho de 2010

COMPREENSÃO


COMPREENSÃO
Oswaldo Antônio Begiato

Ninguém consegue amar,
com mais perdões,
um artista, do que outro artista,
quando os dois estão em estado de criação.

Eu vi,
No cenário da cidade
que me sacode todos os dias
com seus movimentos de amor e de ódio,
com seus quadros sacrílegos e adros sagrados,
um mendigo,
com as mãos sujas de vícios irretocáveis
e as unhas encravadas no precipício
segurando as mãos sujas de nada absoluto
e as unhas sem esmalte e cheia de arestas
de uma mendiga.
Eram dois namorados extasiados
frente ao encontro da luz no final do túnel.

Havia na cena do ato tanto carinho
que dos olhos dela
dois rios salgados nasceram furtivamente
inundando minha alma.

Havia tanto brilho escapando dos olhos dele
que as migalhas que o cercavam
transformavam-se em estrelas
dentro de um céu sem gemidos e sem arrependimentos.

Eu vi.

Ninguém consegue amar,
com mais perdões e com mais abundâncias,
um mendigo, do que uma mendiga
quando está em estado de plena singeleza.

E vice-versa.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

REGAÇO

Obra: Die drei Lebensalter der Frau - Gustav Klimt


REGAÇO
Oswaldo Antônio Begiato

Voltas com o teu regaço
cheirando agora à mulher,
despertando-me a compulsão
de nele deitar-me por inteiro,
e realizar meus destinos por teu corpo.

Envolves-me até os poros com este perfume
de madrugada interrompendo a noite.

Porque sem mim foste embora cedo
e no teu corpo febril não pude me aquecer
e dele me esquecer um segundo sequer
desde minha idade primeira
julguei-me por muito tempo órfão.

Já que voltaste, com o ventre fecundo,
permita-me repousar minha cabeça
acumulada de saudades de ti,
em teu regaço quente e materno
e impacientemente dizer:
- Te amo! Para sempre te amo!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

COLHENDO GIRASSÓIS

Obra - Menina Colhendo Girassóis - Laura Montania


COLHENDO GIRASSÓIS
Oswaldo Antônio Begiato

Olha para minhas mãos espalmadas;
- Elas estão cheias de promessas -
Já nem sei se caberão nas suas,
Tão cheias de caminhos novos;
- Os caminhos contêm saídas
Que as mãos palmilham sigilosamente.

Meus olhos nus apenas vêm as mãos;
- Que olhos nus poderiam ver as auroras solares?
A luz do sol queima as retinas de olhares nus,
Só os poetas poderão vê-las e manter os olhos incólumes.
E u não sou poeta. Sou caminhante peregrino.

Busco a saída que lateja dentro de mim
Feito uma crença. A religião é como uma estátua granítica
Que fica à mercê da ação do tempo;
O sol, a chuva, o vento e o vandalismo
Vão lhe moldando com talhadeiras enérgicas
Delas extraindo o medo dos castigos:
- Assim a alma vai ficando mais leve, e a morte mais aceitável.

Sou de todos os tamanhos, de todas as medidas, de todos os pesos,
De todos os escombros, de todas as sombras, de todos os castigos...
Venho do nada, do branco, do vácuo, do lodo, do adultério.
Sou apenas promessas. Vãs promessas que se esvanecem a cada passo,
Desse caminho feito de suavidades, e que não ouso experimentar.

Tu vens de uma terra cheia de luz de chuvas puras, de arco-íris, de águas transparentes.
Tu és caminhos muitos onde meus pés não têm passos.

Para que duas almas possam se encantar mutuamente
Preciso é que tenham a objetiva de seus olhos
Com o mesmo diâmetro, com o mesmo alcance
E se abrindo ao mesmo tempo.

Tão importante quanto os versos que escrevemos
São os girassóis que sagaz, deveríamos colher
Nas manhãs douradas nos campos que nos cercam,
Porque a nenhum poeta é permitido viver só de sua poesia.

Há que haver no poeta uma grandeza maior que sua poesia.
Há que haver no poeta uma aventura feita de gestos generosos.
Há que haver no poeta olhos nus que possam enxergar auroras solares.

Há poetas imensos que nunca escreveram um verso sequer,
Mas que inventaram gestos onde ninguém nunca havia antes acenado.
Há poetas cujo olhar encabula o sol. Não precisam de palavras.

Quanto a ti, minha vida, se te proibirem de ir por esses caminhos
Que tuas mãos deitam sobre o meu passar,
Porque dele já colheram todas as flores,
Vá assim mesmo.
Saiba que não vieste para colher;
Vieste pra espalhar sementes.
A colheita não é tua responsabilidade.
Já não sei separar mais o que são desejos teus,
E o que são desejos meus. Deixe que os girassóis colho eu.

O que me consola é saber, no entanto,
Pelo bico doce de uma coleirinha, abençoada pelo açúcar santo,
Que veio me contar na manhãzinha desse domingo de ramos,
Que o meu poeta amado, e amado poeta que vive dentro de mim,
Além de disseminar versos marotos,
Está sempre caminhando pelo cemitério dos pobres em Sobral
- Quase nu (olhos e pele) -
Com uma cesta de girassóis dourados nas mãos
Derramando sobre túmulos toscos e abandonados
O perfume dessas flores douradas
E as distribuindo em vasos solitários.

Tomara, Deus, que seja verdade.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O PALHAÇO E SUA FLOR


O PALHAÇO E SUA FLOR
Oswaldo Antônio Begiato

Ele não tem mais lágrimas visíveis:
- Os maquiadores práticos de plantão,
No uso de suas atribuições ocultadoras,
As retiraram de seu rosto, amiúde.
Com tintas faciais e nariz de mentira;
Nele colocaram longas horas vagas.

Vagas horas de dor escondida
Sob um véu que cai no meio da arena.
- Por conta desse número parece feliz.

Feliz parece. Não é infeliz. Certamente.
A tristeza é que vez por outra
Aflora por lá. Abotoa e aflora.
Mas como toda flor cheia de requinte,
Frágil abotoa, aflora e fenece.
Finda rapidamente. Efemeramente.
Para o bem de nossas estagnações.

Para o bem da alegria intensa e expansiva,
Que as crianças avivam dentro dos olhos;
Olhos miúdos e úmidos. Ao vê-los juntos.

Há coisas que só os pequenos enxergam.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

MINHA NAMORADA


MINHA NAMORADA
Oswaldo Antônio Begiato

A minha namorada
Tem nos olhos sorrisos,
Nos lábios um azul,
Nos cabelos flores brancas
E pensamentos avulsos.

Nos seios tem sutiãs
Soltos,
Nos ombros,
Alças brancas
De um desejo que se revela pagão
E me convida pro batismo de fogo.

Tem no ventre
Uma dança livre
E uma renda
Bordada à mão
Com entrelinhas maliciosas.

Tem entre as pernas
Um vão livre arquitetônico
Onde cabem entradas
E saídas
Nunca antes desenhadas,
Nunca antes projetadas.

As mãos são carícias
Que o tempo não impede
E a vida não proíbe.

E quando
suas
mãos
Alternam-se
em
Cume
e
Alicerce
Seu
corpo
ganha
Graça:

Um edifício;
O mais alto da cidade.

Quando nua se deita
O ambiente em volta desaparece
E a lua passa a ser do tamanho
de uma bolinha de gude
feita de aço inoxidável.
Seu sono invade o corpo:
Dormem cabeça e tronco e membros
E dorme a alma
E dormem os lençóis e as colchas.


Se olha,
Olha longe,
Olha perto,
Olha no olho,
E nos olhos se lê
Todo o seu desejo,
Que nunca foi secreto,
Mas que sempre esconde de mim
E eu sempre descubro.
E, olhando,
Deixa-se possuir
E possui
Nas horas normais
E nas extras,
Exaurindo-se
Em pêlos ouriçados
E peles em chamas.

Depois desperta,
Mas permanece sonhos
Que nunca se esvaem,
Que nunca se realizam.

E há tantos cabelos em sua nuca
Que nunca se esgotam,
Nem mesmo quando o vento lhe arranca desatavios.

E em seu corpo
Há tantos pêlos transparentes
Que o corpo se multiplica
em milhões de outros corpos
transluzentes.

Os cabelos caídos sobre os seios
São cascatas e cachoeiras
E quedas de brilhos,
Que refrescam os olhos de quem vê
E a boca de quem prova.

A silhueta se faz majestade:
Turbilhão de onde saem magias
E entram intenções;
E se seu braço abraça o seio
No seio da luz que a ilumina alucinada
Ela vira espírito,
Sopro,
Fada,
Fantasia...


Seu perfil é montanha selvagem,
Abismos íngremes,
Vácuos inexploráveis.
Os poros criam erupções
Por onde saem salsas-ardentes
E purezas inesgotáveis.

Suas curvas desdobram-se em perspectivas
Que vão de um tornozelo a outro,
De um bico a outro,
Por onde andam bondinhos de pão e de açúcar.

Seus arrepios esboçam suas nádegas
Em duas partes simetricamente arredondadas,
Simetricamente saborosas:
Perdição de caminhos
Nas curvas sinuosas,
Nos horizontes de delicadezas.

Tudo nela não faz sentido.
E tudo é tão preciso.

É poesia que escorre pelo corpo
Sem rimas,
Sem curso,
Sem trilho,
Sem guias,
Sem limites,

Ela é minha namorada.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

COMPENSAÇÕES


COMPENSAÇÕES
Oswaldo Antônio Begiato

Com as pequenas coisas
Que em mim melhoraste
Fizeste para ti um castelo.

As grandes coisas
Que de ti me permitiste
Fizeram de mim rei.

Enfim somos vidas e existências
Em um reino encantado.

domingo, 9 de maio de 2010

A NOSSA ALDEIA


A NOSSA ALDEIA
Oswaldo Antônio Begiato

Que seu aroma me venha em forma de camiseta
Com o nome da aldeia em que reina seu encanto
E onde meu amor é respeitado como aldeão.

Ela será para mim a imagem sólida e violeta
Da tatuagem indelével que seu amor tanto
Escreveu em brasa na minh’alma repleta de paixão.

Não quero mais me apartar desse amor fecundo.

E assim serei perenal nos quatro cantos do mundo.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

PEDIDOS À LUZ DE VELAS


PEDIDOS À LUZ DE VELAS
Oswaldo Antônio Begiato

Quando ainda sonhador crédulo, de pernas nuas,
Disseram-me para não revelar os pedidos feitos
Por ocasião do sopro sobre velas do bolo de aniversário.

Nunca tive bolo de aniversário. Tive sempre fantasias.
A cada novo outubro imaginava um bolo, velas cheias de esperanças
E meu sopro sobre elas derramando desejos inocentes.

Nunca, nesse tempo todo, os revelei a quem quer que fosse.

Mesmo assim, teimosamente, eles, os pedidos, nunca se realizaram.

domingo, 11 de abril de 2010

AMOR


AMOR
Oswaldo Antônio Begiato

Eu te amo desde que vi o teu primeiro sacolejar de ancas,
Descendo as escadarias da Vigário,
Com cabelos longos e negros e castiços
Em tranças e soçobrando em tua bunda luaceira.

Amei-te com um amor raro, inusitado,
- Incompreensível até -
Encontrado somente em corações revestidos de platina
E nas almas diamanticamente azuis.

Estranho é me pegar descobrindo com um coração enferrujado,
Uma alma desleixadamente coberta de carvão
E tu os impregnando como se fosse um turbilhão irremovível,
Polindo e lapidando tudo com tamanho estardalhaço
Que até o silêncio dentro de mim despertou assustado. E limpo.

Isso sim é amor raro. O teu.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

AMOR SEM PENA


AMOR SEM PENA
Oswaldo Antônio Begiato

Levito quando, diante de ti,
Ouço teus oráculos;
Quiromante que és de meus desejos.

Dispo, diante de ti,
A túnica de Nesso,
Porque é a ti que minha alma ama.

Diante de ti, me consumo em êxtase.
Sem penar. Sem ruir.
Completamente enfeitiçado.

domingo, 4 de abril de 2010

CINZELAÇÃO


CINZELAÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

E quando o tempo terminar de esculpir meu corpo,
Com seus martelos pesados e seus cinzéis afiados,
Dele tirando todo o excesso de vaidades e matérias,
E do corpo, enxuto de músculos e pecados, minh’alma se apartar,
Espero ser compreendido pelas dores que, sem querer, causei
E ser admirado pelas dores que sofri na calada de meu viver.

Se é que o juízo final é mesmo uma balança imparcial,
E minhas cinzas puderem ser divididas em duas partes e um peso só,
Então que uma porção seja jogada no inferno e a outra no paraíso.

Que eu possa, finalmente, descansar em paz.

quarta-feira, 31 de março de 2010

MUNDO DA LUA


MUNDO DA LUA
Oswaldo Antônio Begiato

Eu vivo no mundo da lua;
Sou amigo particular do dragão
E tomo cerveja com São Jorge
Nas noites em que, cheia,
A Lua imita o uivar dos lobos.

Sou noivo da estrela cadente;
Ouço todos os pedidos secretos
Dos jovens com os sonhos em rebuliço
E quando brincamos na Via Láctea
Peço a ela que una os corações sensatos
Com a dobradiça das paixões dementes.
- Ela me obedece e eu a amo ainda mais.

E quando estou absorto no mundo da lua
Morro de paixão por ela,
Minha pequenina estrela menina,
Que achei cadente no meio do meu olhar,
No meio do meu olhar triste e solitário.

domingo, 28 de março de 2010

PIPA E PIÃO


PIPA E PIÃO
Oswaldo Antônio Begiato

que seu passar seja imagético
como são imagéticas
a sensualidade de teu cheiro
na minha imaginação:
- as imagens do teu corpo perfumado
distribuído em curvas atordoantes
de cá pra lá
de lá pra cá
flutuam na minha cabeça
como uma pipa que
vai ao céu
e volta
vai ao céu
e volta
até quebrar a linha e se entregar
rodopiando
rodopiando
à linha do horizonte sem curvas

terça-feira, 23 de março de 2010

PACIÊNCIA


PACIÊNCIA
Oswaldo Antônio Begiato

Não sei se é um novo amor
Que faz esquecer as dores
De um amor antigo que partiu,
Ou se é o tempo que,
Das dores de amor,
Cuida com seu passar vagaroso.

Não sei se é Deus
Que de tudo cuida,
De todas as feridas,
( as de desamor e as de amor),
Ou se quem de tudo cuida é o tempo,
Com seu passar vagaroso.

Seja quem for que cuide
Dessas dores todas,
Exige de nós paciência.
Muita paciência.

E assim vamos todos nós
Andando na corda bamba
Nesse circo de espantos
Onde somos pássaros indefesos.

terça-feira, 16 de março de 2010

CASO RARO


CASO RARO
Oswaldo Antônio Begiato

Somos um caso raro:
- Somos gomos de um ovo,
Ano novo sem fogo no rabo.

E essa rosa?
E essa roda?
E essa moda?

E o tal cravo?
E o tal trato?
E o tal prazo?
Onde está o vaso?

Sente a aorta?
E a corda?
E a porta?
E a orla?

Só as ondas nos levam.
As estrelas do mar nos desejam.
- Arrebentação!

Somos marítimos:
- Mar de ritmos,
Martírio mútuo.
- Tumulto!

E esse sol?
E esse chão?

Vêm eles
Do mesmo lugar?
Do mesmo luar?

Chão árido sem ritmo.

Mas saiba
Que toda vez
Que, com altivez,
Me arrancas de mim
(erva tenra que sou da terra)
Volto rente,
Volto diferente:

- Mais doído,
Mais doido,
Mais moído,
Mais caolho.

Réstia de alho.
Réstia de sol.
Restos de volta:
- Revolta!

E aí vejo
Tudo sem ângulo,
Engulo teu ego,
Viro por dentro
Carnaval de teu ritmo,
Mar de teu chamar,
Martírio,
Lírio... Lírio!

- Viro lírio viril. Delírio!

sexta-feira, 12 de março de 2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

SEXO SEM NEXO


SEXO SEM NEXO
Oswaldo Antônio Begiato

e foi na borda
do corpo de cristal
onde o champanhe
escorreu pelo dorso
escorreu entre os seios
da bunda côncava
que vi a forma exausta
dos gozos exatos
depois de sorver
com meus poros
g
o
t
a

a

g
o
t
a
os arrepios que não eram meus

a partir desta escultura
passei a te aguardar
guardando-me
em sótãos impermeáveis
como aguardente
ardendo de amor
me queimando por dentro
e por fora e por cima e por baixo

te borrando com minhas cinzas
ias deixando restos de seu rosto
em meu riso sem juízo

quarta-feira, 3 de março de 2010

QUE ASSIM SEJA!


QUE ASSIM SEJA!
Oswaldo Antônio Begiato


Eu, que agora me isolo
Nos jardins de suas cercanias
Com a missão de cuidar de seus canteiros,
Do resto da vida abro mão.
De nada mais preciso.
Basta-me meu amor:
- Meu imenso amor por você.

Farei de mim jardineiro,
Servo devotado de suas anteses,
Remexendo suas terras,
Podando seus excessos,
Regando suas raízes.

Multiplicarei suas mudas
Com cuidado de pai,
Com devoção de mãe.
Espalharei seus polens
Com as mãos postas,
Com os pés submissos.
Proteger-lhe-ei dos predadores
Com redomas e venenos.
Afastarei de você as ervas daninhas
Com espadas e enxadas.

Adubarei seus passos
Com súplicas vastas.
Todo dia lhe colherei flores
Para adornar a alcova de meu amor:
- Meu imenso amor por você.

Que assim seja!

Com a água de dores
Que faço verter de meus olhos,
Manter-lhe-ei úmida e saciada.
Ferir-me-ei com seus espinhos,
Embriagar-me-ei com seus perfumes;
Matar-me-ão o tétano e a cirrose,
Mas a cada último suspiro
Ressuscitarei homem incansável
E fecundador pleno.

Que eu nunca perca de vista
Seus olhos florescidos
Nem deixe de provar
A gravidade de suas pétalas.
Que eu nunca lhe deixe sentir
Saudades minhas
Nem viajar pelas esperanças
Sem minha presença.

Que meu trabalho me mantenha fiel;
Que fiel se mantenha meu amor:
- Meu imenso amor por você.

Que assim seja!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A HISTÓRIA DE LÁZARA


A HISTÓRIA DE LÁZARA
Oswaldo Antônio Begiato

Pensou-se que tivera levado
a vida a cabo.
Foi dada como morta.
Mexeu o braço.
Mexeu a perna.
Abriu os olhos.
Ressuscitou!

Demorou-se além da conta.
Quando chegou,
o jardineiro já tinha passado.
Perdeu a poda
do entardecer.

Os médicos disseram
tratar-se da síndrome de Lázaro.
A filha, de milagre.

Agora vai ser flor
por mais algum tempo.

Ou fardo, quem sabe?

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

RETORNO


RETORNO
Oswaldo Antônio Begiato

Quando saí de minha terra
levei comigo meus pensamentos
minhas roupas de menino
e um desejo imenso de piscina.

Eu tinha então onze anos,
duas abotoaduras,
um livro de reza,
uma agulha, linha e botões,
um buquê de flores irreversíveis
e um botão de rosa imaginário.

Eram-me longos os meus dois braços;
na bagagem guardei várias tentações,
duas camisas fechadas feitas de saco de trigo
e um coração pequeno
onde dores iriam despertar,
mais cedo ou mais tarde.

Quando voltei
trazia comigo algumas mágoas de amor,
na alma um vazio novo,
todos os pecados do mundo
e um abraço completamente ausente.

Já era homem
impregnado por um buquê de vícios incorrigíveis;

não tinha mais pensamentos
mas ainda tinha um desejo imenso de piscina.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O SAL DA TERRA E DO MAR



O SAL DA TERRA E DO MAR
Oswaldo Antônio Begiato

Eis-me aqui, abobado, a teus pés
experimentando tuas umidades
e teus âmagos.

Deito-me imóvel na tua área focal
esperando ouvir os acordes
de tuas nascentes.

Quero encontrar minhas asas
e minhas guelras
e provar o ar livre
e o vôo rasante

Fundiram-me com barro
parco e seco vindo de uma terra
sem sal.

Sem funduras fiquei árido de ti;
sem tua água, sem teus abismos,
sem tuas lagunas, sem tuas lacunas.

Teus sais
matam-me a insipidez;
teus demônios
matam-me o medo.

Deixe-me, pois, ficar
assim diante de ti,
silente e inerte,
sorvendo-te sem angústias
até eu poder voar
para o outro lado de ti
e provar o teu inferno temperado.

Mais nada desejo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

VISÃO E CONSTATAÇÃO


VISÃO
Oswaldo Antônio Begiato

Nunca me vi
Nem mais gordo
Nem mais magro;
Nem mais alto
Nem mais baixo;
Nem mais longe
Nem mais perto;
Nem mais leve
Nem mais ferro;
Nem mais santo
Nem mais sujo;
Nem mais vesgo
Nem mais lince;
Nem mais homem
Nem mais mulher;
Nem mais bardo
Nem mais rude...

Nunca me vi
Nem quero ver:
- Sou a fraude
De meus olhos.

CONSTATAÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

À medida
que envelheço
As lágrimas
se escasseiam;
Cada gota
traz consigo
Um imortal
sentimento
de dor grave.

Não as gasto
com defuntos
ordinários.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

PRECAUÇÃO


PRECAUÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

Tenho sido terno:
- Dor, tristeza e solidão.
Dos três conjunto de um só,
Único me fiz muito terno;
Um trio que inspira dó.

Tenho sido posto:
- De saúde, no quartel
Tenente-coronel sem divisa;
Deposto nunca mais fui posto
No meu devido lugar.

Tenho sido rima:
- De restos putrefatos,
Lixo sem coletora mecânica;
Poeta não sei de rimas
Que não tenham identidade de sons.

Tenho sido andejo:
- Vontade cobiça e desejo
Num andamento desvairado
Procurando rimas postas
E um terno para ser enterrado.


Que eu seja vivo enquanto o terno seja nós dois:
- Calça e paletó.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O ENTREGADOR DE PÃES


O ENTREGADOR DE PÃES
Oswaldo Antônio Begiato

A mão que semeia o trigo
É a mesma que arranca o joio;
A mão que distribui o pão
É a mesma que recebe a educação.

Onde se ganha o pão cotidiano
Não se come a carne alheia.
No altar o pão vira carne,
No cálice, o vinho sangue tinto.

Não se preocupe com o pão.
Não se preocupe com o trabalho.
Logo que chegar a fonte e sua água fresca
Chegará a árvore frondosa e sua sombra.

Pagarão então, com pouco suor,
A conta do mercado vencida.
O dinheiro pouco do trabalho
Das pequenas mãos entregadoras de pão
Ajudará, como uma alavanca e seu apoio
Longe do mundo, a mover o mundo.

E um dia lhe serão dados,
Para deleite da mente e das confissões,
Pinga boa,
Fumo forte,
Mulher bonita.

É o que diz a língua do povo;
A língua do povo
É a língua de Deus.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

DIAPASÃO


DIAPASÃO
Oswaldo Antônio Begiato

Em que paliativos
Ocultaram-se as cifras
Do braço de meu violão?

Em que placebos
Ocultou-se o braço
Do meu violão?

Em que mentiras
Ocultou-se
O meu violão?

Como faço agora
Se vivo de afinações
E só sei tocar de ouvido?

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

CANTO GREGORIANO


CANTO GREGORIANO
Oswaldo Antônio Begiato

Virgem, a quem flores trago,
Hoje quase nada peço;
Nem que venha, nem que suma,
Nem que reze, nem que negue.

Só me devolva a canção
Roubada de meus ouvidos.
Findo-me pauta sem claves,
E cantochão sem órgano.