segunda-feira, 10 de novembro de 2014

RECAÍDA

RECAÍDA
Oswaldo Antônio Begiato

Hoje achei,
perdido na rua,
um brinco de pérola.

Pérola crua.

Na veia do brinco veio
a cor da pele da lua
e o perfume dela,
da dona do brinco.

Um perfume assim,
cheio de ciúme.

Um perfume feito
de ardume.

Extrato de ardume tratado
em laboratório.


Me deu uma vontade insana de me apaixonar novamente.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

REENCONTRO

REENCONTRO
Oswaldo Antônio Begiato

E quando menos esperar
terás me lapidado
em bloqueamentos entre eu e tu
e com dop
feito com as folhas
do calendário.

E quando tudo parecer perdido
me encontrarás
dentro de um diamante perfeito,
de oito faces,

repleto de tuas mãos.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

SANTIDADE


SANTIDADE
Oswaldo Antônio Begiato

Quando as palavras
não me alcançam
o silêncio me asila
com sua profundidade inimaginável.

Dentro do silêncio
encontro caminhos
que não palmilho com pés calçados,
mas com desadornos;
eles me levam à sabedoria.

É um silêncio santo.
Santo silêncio que me faz ajoelhar!

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

SAUDADES


SAUDADES
Oswaldo Antônio Begiato

você vinha caminhando tão meiga
tão cheia de veludos
parecendo uma flor
brotando entre pétalas
na aridez das descobertas

tão cheia de cristais
parecendo um arco íris
fazendo curvas
no voo reto do horizonte

eu tinha só cinco anos
e logo aprendi a dizer
- amo você minha pequena namorada

e nunca mais esqueci a leveza de seus passos

temo, porém, que meu coração esqueceu

terça-feira, 5 de agosto de 2014

ATELIÊ


ATELIÊ
Oswaldo Antônio Begiato

Toda poesia é igualmente
nua.

Os poetas é que a vestem
com trajes diferentes.

Às vezes com alta costura,
outras com vestido de chita.

Uns a cobrem com fantasia
outros com paramentos.

Já vi poesia desfilando pela passarela
com roupas transparentes.

Mas há poetas delicados
que as deixam nua;
esses são os que têm os olhos mais puros.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

ALGUNS OUTROS MEUS HAICAIS


OCEANO

Sol, rede e horizonte.
Trabalhar? Grande tolice.
Que venha a cerveja!

ANOS

Eis a primavera!
Bela e rara, mas cruel.
É o tempo escapando.

PRIMAVERA

Chega a natureza,
Princesa de flor fecunda,
Inundando os olhos.

JAPI

As flores, milagre;
As águas em seu castelo.
No cio, a floresta.

domingo, 13 de julho de 2014

EU

EU
Oswaldo Antônio Begiato
 
Tenho vícios redibitórios.
Nem tente me comprar,
Vai precisar devolver.
 
Meu coração é muito medroso.
O que minha alma tem de coragem
Meu coração tem de covardia.
 
Ah, se eu pudesse dividir os vícios que tenho!
Mas estou velho demais para divisões.
 
Melhor procurar outra mercadoria.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

ENTRELINHAS

ENTRELINHAS
Oswaldo Antônio Begiato
 
Tu me perguntas o porquê de vivermos rindo um do outro.
Nas entrelinhas sabes que rio somente de mim,
e sei que é porque sou tolo.
De sua parte,
certamente é porque me sabes tolo,
e um pobre diabo que nem juízo tem.
 
De ti jamais rio. Ainda que rio de esperas eu seja.
 
As entrelinhas são um caso sério
nas mãos dos dementes.
Eu ainda estou aprendendo a escrever nas entrelinhas.
 
Preciso aprender o perfume de sua alma
e a suavidade de sua pele,
e aí poderei desvendar os segredos das entrelinhas.
 
Quero nelas escrever meus fingimentos,
assim deixarei Pessoa com razão.
 
E que todos meus fingimentos
sejam pra te dizer que te amo;
sejam pra provar que te amo,
nas entrelinhas;
nas estrelinhas que caem de ti
quando passas generosamente.
 
Quando a palavra é do cio
a entrelinha é dócil.

domingo, 25 de maio de 2014

OSTRACISMO

OSTRACISMO
Oswaldo Antônio Begiato
 
Não quero mais
ser visível nos jornais.
 
Não quero mais
aparecer em colunas sociais.
 
Não quero mais
meu nome escrito
em letras garrafais.
 
Quero apenas
me esconder em algum verso
de alguma poesia feminina.

domingo, 18 de maio de 2014

FIÁVEL

FIÁVEL
Oswaldo Antônio Begiato
 
No quintal de minha casa
caiu um raio cor-de-rosa;
caiu um anteontem
caiu um ontem
caiu um hoje...
 
Amanhã eu quero ficar esperando cair outro,
mas o pé de alecrim me garantiu
que raios não caem duas vezes no mesmo lugar.
 
Acho que mesmo assim vou ficar esperando;
o pé de alecrim não sabe que se trata
de um raio cor-de-rosa
e que raios cor-de-rosa caem tantas vezes quantas forem as esperanças.

domingo, 27 de abril de 2014

POTE D'ÁGUA

POTE D’ÁGUA
Oswaldo Antônio Begiato
 
Quando o contentamento
ou a tristeza
fogem de suas medidas
razoáveis
perturbando minha serena
mas soberana paz interior
acabo por tomar três
ou quatro doses de uísque.
 
E assim vou levando
minha vida,
até quando a cirrose,
essa inconveniente madrasta
dos boêmios
resolver tomar conta
de meu fígado e
de minhas fugas
trancafiando-me dentro
de um pote d’água. Paciência!
 
Afinal, paz mesmo,
só se encontra na morte,
gota derradeira.

terça-feira, 15 de abril de 2014

IRMÃOS DE SANGUE


IRMÃOS DE SANGUE
Oswaldo Antônio Begiato

Há uma tristeza imensa
no fundo de meu coração.

Há um coração imenso
no fundo de minha tristeza.

terça-feira, 25 de março de 2014

PESO


PESO
Oswaldo Antônio Begiato

A respeito de minhas
perdas e minhas pedras
só eu sei.

Não leve muito a sério
as coisas que eu falo.

Tenho lampejos de loucura
e às vezes faço amarga a vida
mais do que ela é.

Eu não tenho jeito mesmo,
sou incorrigível,
viciado em lamúrias
e dependente de palavras.

Por isso a poesia me encarcera. Eu acho.

sábado, 1 de março de 2014

EM TODO LUGAR

EM TODO LUGAR
Oswaldo Antônio Begiato
 
Em todo lugar
falavam de você.
 
Em todo lugar
havia um homem
que sonhava
com teu amor
eterno.
 
Em todo lugar
me disseram que você
só falava de mim.
 
Em todo lugar,
cheio de mim,
lhe amei
perdidamente.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

ILHÉUS

ILHÉUS
Oswaldo Antônio Begiato
 
Pescadores de maré baixa, pescadores de maré alta!
Tragam em suas redes preciosas
O fio negro da crina do cavalo Branco de Napoleão,
A ponta de dois gumes da estrela cadente,
A varinha de condão da fada sininho,
A moeda de ouro do pote sob a extremidade do arco-íris
Porque o por do sol se fará belo como Cleópatra
E me farei por ti, Ilhéus, apaixonado como um transeunte desassossegado.
 
Mario Quintana, o gaúcho, que a essa hora se esbalda de céu,
E pouco caso faz do tempo
Deixando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas,
Adoraria a Bahia.
- Na Bahia o tempo não tem a menor importância
Porque o céu chegou primeiro aqui, e aqui se rimou todo.
 
Ilhéus, Bahia, em 22 de agosto de 2.011.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

DESERTO

DESERTO
Oswaldo Antônio Begiato
 
Estou morrendo de sede,
Mas o que fazer,
Se o teu poço é fundo
E minha corda curta?
 
O que fazer,
Se o teu deserto é imenso
E meu caminhão pequenino?

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

PERDA DE TEMPO

PERDA DE TEMPO
Oswaldo Antônio Begiato

Para onde você pensa que vai?
Não sabe que todos
os caminhos
levam a Roma?

E quem tem boca
beija
e quem não a tem
ouve.

E quem tem um só olho
cativa a princesa
e quem não tem olho
vive só.

Ou beija a princesa e a desperta.

E quem tem pés
massageia as costas
e quem não tem
espera.

Uma canoa se faz com um pau só
e muitas mãos e muitos sonhos e muita coragem.

E quem fica muito
singrando mares
não conhece as terras.

Da terra se vem
a terra se vai,
mas é preciso cuidado;
nem tanto ao mar, nem tanto ao amar.

Como é doce amar no mar!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

FAZEDORA

FAZEDORA
Oswaldo Antônio Begiato
 
A melhor parte de mim
são as tristezas
que ainda não escrevi,
por medos, incertezas e inseguranças.
 
Não sei se as escreverei.
Não sei se vale a pena roteirizar
essa minha parte.
 
Gosto dela assim
porque ela
me é a parte desconhecida,
o lado escuro de minha alma,
jardim intocado
onde nascerão flores
e ervas daninhas
sob um sol que há de iluminar,
ou quem sabe,
de queimar. Só a mim. Só.
 
É o segredo meu essa minha parte,
que preciso descobrir
nas minhas horas de solidão,
nos meus lugares de abandono,
no sítio de meu isolamento
e que somente a dor da humilhação,
essa fazedora de sentimentos,
vai me fazer encontrá-la
no meio de um amor perdido,
no cume agudo de uma despedida.
 
E sei que quando
estiver frente a frente
com essa parte minha,
revelarei,
não a foto indecifrável
de meus questionamentos,
mas a luz quente
que vai inculcar
em minha alma
o roteiro escrito por mim
da película em preto e branco
dos meus tempos
de cinema mudo.
 
A produção será minha,
a direção será do acaso.
 
A plateia serei apenas eu.