sábado, 30 de agosto de 2008

BALA PERDIDA

BALA PERDIDA
Oswaldo Antônio Begiato

Eu nunca consegui dizer:
- Eu te amo!
Por isso me fiz anoitecer
a teus olhos atentos
só pra te ver me cobrindo
com teu manto de luz
quando eu, escondido,
chorei invigilante
com medo do escuro
na esperança vã
de que feito lágrima labiríntica
pudesse eu te deixar perdida.

Perdida de amor
por mim.

Então me inventei poeta,
sem sê-lo,
para escrever versos escondidos
e neles, incólume,
declarar meu amor silencioso
na esperança vã
de que feito bala perdida
eles atingissem teu coração.

E tu morresses de amor
por mim.

Mas sequer notaste
com que roupa
eu pra ti me vesti.

Desdourado,
dobrei pela enésima vez
a camiseta púrpura
de fio escócia
com meus versos azuis
e teu perfume rosa
e a devolvi à gaveta branca
da cômoda verde
de minhas esperanças iludíveis.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

AUTO-COSTURA

AUTO-COSTURA
Oswaldo Antônio Begiato

Toda vez que disseres que minha alma é bruta
eu te mostrarei um coração efeminado.
Toda vez que disseres que minha alma é rude
eu te mostrarei um coração afetuoso.
Toda vez que disseres que minha alma é insensível
eu te mostrarei um coração inconsolável
te amando e padecendo com teu desmazelo.

Assim condenas minh’alma;
e toda vez que condenas minh’alma
enfio-me no meio do mato
com os olhos rentes ao chão
e a boca embriagada
pelo sabor doce da hortelã,
no meio do mato
replanto marias-sem-vergonha
com as mãos nuas
e os pés virgens
e aprendo com o bem-te-vi
o canto que espanta saudades,
enternece corações
e sossega almas.

Não há tolice maior,
quando se ama,
do que ter ouvidos e não compor,
ter olhos e não se encantar,
ter boca e não se calar,
ter mãos e não replantar.

Mas esse dia diáfano,
esse sol restaurador,
esse céu imáculo,
esse teu ar selvagem,
esse teu andar indolente,
esse teu desmazelo leviano
dão-me uma vontade imensa
de costurar a alma
e rasgar o coração.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

POSSEIROS

POSSEIROS
Oswaldo Antônio Begiato

O tempo está sempre
contra nossa vontade.
Quando estamos felizes
ele corre demais;
quando infelizes
ele se lerdeia todo.

Façamos assim então:
- Eu te deixo morar eternamente
na suíte real de meu coração,
e tu, generosa, me concedes
o porão do teu,
onde prometo morar
o resto de minha vida.

Não teremos o tempo
a nos vigiar
e tudo será céu.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

FOTO ÚLTIMA

FOTO ÚLTIMA
Oswaldo Antônio Begiato

Obrigado por guardar
em sua carteira
essa minha foto antiga.

Nela eu ainda tinha
cabelos longos
e barba
e linhas retas
e pele lisa
e infinidades
e simetria
e esperanças
e horizontes
e sonhos...

Tive que cortá-los,
ano passado,

por conta de um tumor
extraído de minha boca

(ela que já era muda
emudeceu-se ainda mais).

Foi a última foto minha
com o rosto ainda direito.

Agora ando torto,
sem medidas exatas,
sem nível,
sem esquadro,
sem ângulos retos,
sem arquitetura,
sem plástica,
sem prumo,
sem rumo...


Quanto à cor dos olhos,
pelos quais não lhe pude
proibir o encanto,
era espanto,

ou perplexidade,
ou intolerância,
ou irrequietação,

ou pavor,
ou tristeza,

ou despedida...

Sei lá.

Sei que não são mais assim
os meus olhos.

Os meus olhos
não são mais assim.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008





BRISA DO TEMPO
Oswaldo Antônio Begiato

Primeiro era um banco
Frente ao mar calmo.
Sentados nele, calmos,
Dois marinheiros,
Que dividiam a mesma alma,
Falavam de amores passados
Que nunca passaram.

O mais velho tinha um porto em cada amor,
O mais moço tinha um amor em cada porto.

Havia neles uma solidão
Que o mar não continha.

No dia seguinte era um banco
Impregnado de vazios,
E um navio à procura de um porto
Que pudesse lhes conter a alma.