segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
A HISTÓRIA DE LÁZARA
A HISTÓRIA DE LÁZARA
Oswaldo Antônio Begiato
Pensou-se que tivera levado
a vida a cabo.
Foi dada como morta.
Mexeu o braço.
Mexeu a perna.
Abriu os olhos.
Ressuscitou!
Demorou-se além da conta.
Quando chegou,
o jardineiro já tinha passado.
Perdeu a poda
do entardecer.
Os médicos disseram
tratar-se da síndrome de Lázaro.
A filha, de milagre.
Agora vai ser flor
por mais algum tempo.
Ou fardo, quem sabe?
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
RETORNO
RETORNO
Oswaldo Antônio Begiato
Quando saí de minha terra
levei comigo meus pensamentos
minhas roupas de menino
e um desejo imenso de piscina.
Eu tinha então onze anos,
duas abotoaduras,
um livro de reza,
uma agulha, linha e botões,
um buquê de flores irreversíveis
e um botão de rosa imaginário.
Eram-me longos os meus dois braços;
na bagagem guardei várias tentações,
duas camisas fechadas feitas de saco de trigo
e um coração pequeno
onde dores iriam despertar,
mais cedo ou mais tarde.
Quando voltei
trazia comigo algumas mágoas de amor,
na alma um vazio novo,
todos os pecados do mundo
e um abraço completamente ausente.
Já era homem
impregnado por um buquê de vícios incorrigíveis;
não tinha mais pensamentos
mas ainda tinha um desejo imenso de piscina.
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
O SAL DA TERRA E DO MAR
O SAL DA TERRA E DO MAR
Oswaldo Antônio Begiato
Eis-me aqui, abobado, a teus pés
experimentando tuas umidades
e teus âmagos.
Deito-me imóvel na tua área focal
esperando ouvir os acordes
de tuas nascentes.
Quero encontrar minhas asas
e minhas guelras
e provar o ar livre
e o vôo rasante
Fundiram-me com barro
parco e seco vindo de uma terra
sem sal.
Sem funduras fiquei árido de ti;
sem tua água, sem teus abismos,
sem tuas lagunas, sem tuas lacunas.
Teus sais
matam-me a insipidez;
teus demônios
matam-me o medo.
Deixe-me, pois, ficar
assim diante de ti,
silente e inerte,
sorvendo-te sem angústias
até eu poder voar
para o outro lado de ti
e provar o teu inferno temperado.
Mais nada desejo.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
VISÃO E CONSTATAÇÃO
VISÃO
Oswaldo Antônio Begiato
Nunca me vi
Nem mais gordo
Nem mais magro;
Nem mais alto
Nem mais baixo;
Nem mais longe
Nem mais perto;
Nem mais leve
Nem mais ferro;
Nem mais santo
Nem mais sujo;
Nem mais vesgo
Nem mais lince;
Nem mais homem
Nem mais mulher;
Nem mais bardo
Nem mais rude...
Nunca me vi
Nem quero ver:
- Sou a fraude
De meus olhos.
CONSTATAÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato
À medida
que envelheço
As lágrimas
se escasseiam;
Cada gota
traz consigo
Um imortal
sentimento
de dor grave.
Não as gasto
com defuntos
ordinários.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
PRECAUÇÃO
PRECAUÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato
Tenho sido terno:
- Dor, tristeza e solidão.
Dos três conjunto de um só,
Único me fiz muito terno;
Um trio que inspira dó.
Tenho sido posto:
- De saúde, no quartel
Tenente-coronel sem divisa;
Deposto nunca mais fui posto
No meu devido lugar.
Tenho sido rima:
- De restos putrefatos,
Lixo sem coletora mecânica;
Poeta não sei de rimas
Que não tenham identidade de sons.
Tenho sido andejo:
- Vontade cobiça e desejo
Num andamento desvairado
Procurando rimas postas
E um terno para ser enterrado.
Que eu seja vivo enquanto o terno seja nós dois:
- Calça e paletó.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
O ENTREGADOR DE PÃES
O ENTREGADOR DE PÃES
Oswaldo Antônio Begiato
A mão que semeia o trigo
É a mesma que arranca o joio;
A mão que distribui o pão
É a mesma que recebe a educação.
Onde se ganha o pão cotidiano
Não se come a carne alheia.
No altar o pão vira carne,
No cálice, o vinho sangue tinto.
Não se preocupe com o pão.
Não se preocupe com o trabalho.
Logo que chegar a fonte e sua água fresca
Chegará a árvore frondosa e sua sombra.
Pagarão então, com pouco suor,
A conta do mercado vencida.
O dinheiro pouco do trabalho
Das pequenas mãos entregadoras de pão
Ajudará, como uma alavanca e seu apoio
Longe do mundo, a mover o mundo.
E um dia lhe serão dados,
Para deleite da mente e das confissões,
Pinga boa,
Fumo forte,
Mulher bonita.
É o que diz a língua do povo;
A língua do povo
É a língua de Deus.
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