segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

SÓS


SÓS
Oswaldo Antônio Begiato

Sozinhos por uma noite inteira andamos de mãos juntas.

Queríamos ver estrelas cadentes
No rosto de pessoas contentes
Andando à nossa volta,
Mas os nossos limites eram feitos de desertos
E a noite árida deixou nossas almas trêmulas.

Nada dissemos que pudesse parecer um reinício;
Nossos olhos por nenhum momento se buscaram;
Sequer sentimos o calor de nossos corpos,
Sequer ouvimos o som de nossos passos.

Havia uma imensa distância;
Uma distância que permitia a tudo nos ser estranho.

A luz pálida de um fim de caminho
Fazia-se dissimular no horizonte.
Ali seria o nosso lugar de chegada
E seria o nosso lugar de partida.

Assim foi feito:
Todas as regras foram cumpridas,
Todos os desejos alheios realizados.


E, apesar de tudo,
Nunca houve em minha vida
Ternura tão intensa
Que de tão intensa se fez eterna.

domingo, 14 de dezembro de 2008

BELO

BELO
Oswaldo Antônio Begiato

Sou feito de cacos e retalhos.
Meu corpo de retalhos e costuras;
Minha alma de cacos e soldas.

Mas não penses que por isso me faço feio;
Sou a mais linda colcha de teu enxoval
A aquecer as tuas noites de inverno
Quando o outro lado da cama está vazio;
Sou o mais belo vitral de tua janela
A colorir os raios do sol que iluminam
O templo interior de tuas solidões.

Fiz-me belo em teu leito e em teu altar
Para te aquecer e te colorir, Bela!

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

CHEGANÇA

CHEGANÇA
Oswaldo Antônio Begiato

Eu te trouxe de presente um olhar.
Um olhar que achei escondido entre as pedras do rosário
E que brincava de encantamento com a Virgem Maria.

Eu te trouxe de presente um olhar.
Desses que não descuidam de nenhum movimento
E que de tão atentos se tornam anjos da guarda.

Eu te trouxe de presente um olhar.
Desses que contém dentro de si tamanha proteção
Que os olhos deles parecem um mar de cheganças.

Eu te trouxe de presente um olhar.
Desses que revelam uma entrega tão desmedida
Que se tornam portas de entrada de todas as abnegações.

Eu te trouxe de presente um olhar.
Apenas um olhar. Nada mais, além do meu servo olhar.

sábado, 6 de dezembro de 2008

DESCOMPASSO



DESCOMPASSO
Oswaldo Antônio Begiato

Haveremos de viver como se nada tivesse acontecido;
Parados, não andamos,
Andando, não chegamos,
Chegando, nada fizemos.

Haveremos de viver como se nada tivéssemos causado,
Diremos que o que os olhos não vêem
O coração não sente.
Que não roubamos,
Mas não fizemos
Que não amamos,
Mas jantamos fora
Que não construímos,
Mas fomos concretos.

Nada haverá em nossos caminhos:
Nem espinhos,
Nem tumores,
Nem rumores de amores,
Nem beijos estúpidos,
Nenhuma estrela com nosso nome,
Nenhum filho com nosso sobrenome.

E quando se avizinhar a hora de colher a última pétala da margarida, seremos mal quistos.

Compreenderemos então
o quanto menos triste é a solidão
do que a companhia de um sapo
que jamais se tornará príncipe.