quinta-feira, 26 de junho de 2008

ABANDONADO NA ESTRADA QUE LEVA À TERRA NOVA


ABANDONADO NA ESTRADA QUE LEVA À TERRA NOVA
Oswaldo Antônio Begiato

Fosse uma rosa menina
Dessas que caem das estrelas
Colorem-se de amanheceres
E se enfeitam de diamantes.

Fosse uma rosa de pérolas
Dessas que se geram no seio do tempo
Embranquecem-se de infinito
E se transparecem de raios loucos.

Fosse uma rosa vermelha
Dessas cultivadas pelos anjos
Com a maciez de todas as graças
E a beleza de todas as preces.

Fosse uma rosa de lua
Dessas que clareiam o universo
Que mostram o corpo sem nódoas
E escondem a tristeza sob sua leveza.

Fosse uma rosa de ouro
Dessas lapidadas por mãos de deusas
Pra comemorar o jubileu de santas
Na catedral de algum país de promessas.

Fosse uma rosa efêmera
Dessas que se exalam do corpo perfumado
E se espalham pela alma como doença
E se exaurem nas armadilhas do amor.

Fosse uma rosa,
Rosa,
De olhos alumiados,
De pele petalina,
De sorriso difuso,
De gestos vastos,
De alma profícua.

Mas é apenas
Uma maria macilenta,
Uma maria-sem-vergonha,
Dessas que se entregam ao abandono
de uma beira de estrada
que não leva a lugar algum.

domingo, 22 de junho de 2008

ESTRANHEZA


ESTRANHEZA
Oswaldo Antônio Begiato

Exausto de mim mesmo,
Lancei-me dentro do espelho
À procura de meu sentido.

Todas as minhas marcas,
Todas as minhas manchas
De nascença
Tinham sumido.

Eu era um estranho
À busca de meu princípio.

Havia em mim agora
A frieza de um azul incontável
E a profundidade de um oceano
Corrompido pela superfície do vidro.

Sem ostras retraídas.
Sem pérolas inatingíveis.
Estava eu dissecado.
Indefeso.
Encantado.

No mergulho que me deixei dar
No fundo do espelho de meus inversos,
Foi que me reconheci;
Bem quietinho, bem escondidinho,
Alojado em meu lado esquerdo.

O espelho tem esse vício encantador:
O de mostrar o sentido,
O de mostrar o princípio
Sempre pelo lado esquerdo.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

CINZAS DA SANIDADE


CINZAS DA SANIDADE
Oswaldo Antônio Begiato

Varro o chão
Onde caíram as palavras comportadas
Que por entre dedos gélidos
De minhas mãos rudes
Deixei escapulir, por obstinação.

Junto-as e cremo-as.

As cinzas, entrego-as ao vento;
Leve-as ele para bem longe de mim,
Fantasma que são
Do poema reto
Que não me permiti consumar.

Não lapido as palavras.
Não destilo as palavras.

As lapidadas,
Deixo-as aos jovens apaixonados.
As destiladas,
Aos que delas se tornaram amantes incorrigíveis.

Quero-as selvagens,
Cheias de quinas e fios,
Cheias de doenças e vícios,
Para que quando brotarem de dentro de mim
Rasguem-me a carne,
Contaminem-me o sangue
E façam-se poemas tortos:
Eles me conferem vida intensa.

Não quero, pois, o poema da breve paixão,
Nem o da paixão amancebada:
Eu vou é me casar, para sempre, com o Cântico Negro.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

CIGANA


CIGANA
Oswaldo Antônio Begiato

Ainda tenho guardada
na caixinha envernizada
de minha memória infiel
a imagem da moça,
vestindo saia longa e alaranjada
feito uma cigana,
lendo minha mão
e entendendo meu coração.

Sempre me dava um conselho:
- Tome sempre duas;
a primeira é para tirar
o pó da garganta,
a segunda é para fechar
o corpo.

Desde então,
nunca mais fui infeliz.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

PORTAS FECHADAS


PORTAS FECHADAS
Oswaldo Antônio Begiato

De onde está voltando agora?
Do ponto de ônibus
Ou do ginecologista?
E este semblante cheio de segredos,
E este perambular cheio de medos?
De onde vens assim tão assustada?

Ah, se fecharam portas,
E o barulho foi insuportável.
Então vou lhe dizer:
As portas quando se fecham
Sempre fazem barulho mesmo.
Algumas prendem com muita força
Nossos dedos no batente.
Em todos os lugares do mundo
Elas fazem muito barulho.
Em alguns lugares feridas.
As portas externas
Fazem barulho apenas,
As internas barulho e feridas.

Mas um dia elas se abrirão
E quando portas se abrem
Costumam deixar passar
Ratos e saudades,
(as internas,
aquelas que não precisam de chave)
Porque as que precisam de chave,
As externas,
Deixam passar sol e pétalas.

domingo, 1 de junho de 2008

TEATRO AMADOR

TEATRO AMADOR
Oswaldo Antônio Begiato

Tenho por máscaras
Um fascínio incontrolável.

Será que guardo
no meu mais profundo abismo
um desejo de teatro?

Ou será que a Verdade
amarga a minha imagem crua
e me mete medo?

O que quero eu revelar,
o que quero eu negar,
se a máscara que uso
é cópia fiel de meu rosto roto?