quarta-feira, 30 de abril de 2008

HOMENAGEM AO PRIMEIRO DE MAIO

Operários - Quadro de TARSILA DO AMARAL
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MÃO-DE-OBRA
Oswaldo Antônio Begiato
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Você é feito
de asfalto na porta de casa,
de shopping center,
de supermercado,
de roupas de grife,
de jantares à luz de velas,
de correntes de ouro,
de pedras preciosas,
de ar condicionado,
de controle remoto,
de carro importado,
de cruzeiros,
de aviões,
de cartão de crédito.

Eu não!
Eu sou feito
de caminhar sob a chuva e sob o sol.

Sou feito
de cachaça,
de farinha,
de contas penduradas
no mercadinho,
no boteco,
na farmácia.

Eu sou feito
de colher de pedreiro,
de desempenadeira,
de nível,
de prumo,
de cimento,
de pedra bruta,
de areia,
de ferro,
de esmalte,
de verniz,
de tinta,
de madeira,
de gesso,
de barro.

Sou feito
de canteiros,
de plantas,
de retas,
de curvas,
de larguras,
de comprimentos,
de alturas,
de profundidades,
de ângulos,
de esquadros.

Sou feito
de cáries,
de calos,
de encravos,
de acidentes de trabalho,
de cicatrizes,
de invalidez permanente.

Sou feito
de pele queimada
pelo sol
e pela cal
do meu trabalho.

Você não!
Você é feito
pelo cabeleireiro,
pelo pedicuro,
pelo dentista,
pelo médico,
pelo direito.

Você é feito
de pele queimada
pela praia
e pelo sol
de suas férias.

Você é guiado pelo psiquiatra,
eu, pelas mãos de Deus!

VISITA

VISITA
Oswaldo Antônio Begiato

Quando me virá visitar
E com suas horas morenas
Minhas horas roxas avivar
Deixando-me temporal?

Quando me virá adormecer
E com tuas mãos firmes
Minhas mãos frias ameigar
Deixando-me desatinado?

Quando me virá cobrir
E com tuas ternuras retalhadas
Meu corpo abrandado enlevar
Deixando-me infante?

Quando me virá?

terça-feira, 29 de abril de 2008

A RESPEITO DE MUSAS

A RESPEITO DE MUSAS
Oswaldo Antônio Begiato

não existem musas...
musas vivem no Olympo
e só saem de lá
para serem embebedadas
e deixarem bêbados
os poetas
dando a eles
a tenra ilusão das palavras
a meiga ilusão da poesia

e depois vão embora
sem nada deixar
sem nada levar

musas não existem
neste nosso mundo
por isso poetas
as encarnam
em almas bondosas
e as deificam
nas palavras que fabricam
com seus arroubos

poetas precisam
de almas bondosas
que sejam capazes
de se embriagarem

que sejam capazes
de embriagá-los

VITICULTORAS


VITICULTORAS
Oswaldo Antônio Begiato


Ouvi dizer que viticultoras
São mulheres tintas
Que moram no sul
Nascidas do vinho,
Quando ainda são uvas amassadas,
E da enlevação
Que toma conta do juízo.

Depois ouvi dizer que poetas
São homens sem cor
E sem norte
Que habitam
Os sonhos das viticultoras
Enquanto elas colhem uvas
E destilam o vinho.

Diante disso
Desejei ser imensamente poeta,

Mas acabei por ser apenas um homem
Apaixonado
E enfermo de mim mesmo.


segunda-feira, 28 de abril de 2008

PARALELOS E DISTÂNCIAS

PARALELOS E DISTÂNCIAS
Oswaldo Antônio Begiato

Não sei porquê,
em vez de se abraçarem
no meio da rua,
ficam parados,
um em cada calçada,
e não se dão conta
de que as calçadas trincadas
são paralelas
e nunca vão se encontrar.

Não sei porquê,
em vez de se olharem
no fundo dos desejos,
ficam olhando
um para cada extremo
da rosa-dos-ventos.
Enquanto um vai pra o norte
o destino do outro é o sul
e não percebem
que a distância entre eles
aumenta a cada gesto.

Não sei porquê
eles se amam com esse jeito besta
de amar sem amar,
com essa coisa sem sentido
de amar pequeno.

Seria melhor que fossem pássaros.

BOCA E OUVIDOS


BOCA E OUVIDOS
Oswaldo Antônio Begiato

Houve um tempo
Em que quase tudo
era pouco.
Quase nada
era muito.

Pouca comida,
Pouco fogão,
Muita fome.

Pouca roupa,
Pouco chinelo,
Muita vergonha.

Pouca casa,
Pouco telhado,
Muita criança.

Pouca saúde
Pouco dente
Muita perda.

Pouca cama,
Pouco cobertor,
Muita noite.

Pouca bola,
Pouco brinco,
Muita espera.

Pouca coisa,
Pouco dinheiro,
Muita fadiga.

Pouca borracha,
Pouco caderno,
Muita poesia.

Mas era um tempo
Em que, em todos nós,
Poucos eram os verbos,
Poucas eram as bocas,
Muitos eram os ouvidos.

Nossas vidas se multiplicavam
Na humildade de quem ouve,
No respeito de quem se cala.

sábado, 26 de abril de 2008

NOSSO IMORTAL AMOR


NOSSO IMORTAL AMOR
Oswaldo Antônio Begiato


Tome essa folha
branca
de papel
virgem,
que um panapaná
deixou cair,
de suas asas
coloridas,
em meu colo
de noivo.

Nela escreva,
com suas mãos
de noiva,
seu nome,
com letras
douradas,
e depois
escreva
uma poesia
lírica,
com letras
corridas.

Por fim
escreva
meu nome,
sem maiúsculas
e sem acentos
agudos.

É esse o ritual
que outorgará
ao nosso amor
imortalidade.