terça-feira, 28 de outubro de 2008

O TEMPO

O TEMPO
Oswaldo Antônio Begiato

Ela queria tanto,
Para poder esquecer
A cor cinza de sua nascença,
Ganhar de presente, no dia de seu aniversário,
A delicadeza de uma boneca de trapo.

Queria tanto, tanto,
Que acabou comprando,
Naquela tardinha, em que abandonada,
A chuva lhe caia copiosamente dentro d’alma,
Uma boneca fria de porcelana fina.

Pena que já era tarde.
Ela, agora, não tinha mais tempo para esquecimentos.
Não tinha mais tempo para delicadezas.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

BAILARINO


BAILARINO
Oswaldo Antônio Begiato

Minha mãe tinha uma caixinha de música
onde uma pequenina bailarina cor-de-rosa
feita de porcelana frágil,
cabelos presos na cabeça
e usando sapatilhas transparentes,
enquanto tocava Brahms Lullaby,
dançava,
dançava,
dançava...
...diante de um espelho que a multiplicava.

Eu menino,
com olhos de bailarino
feito com uma alma frágil,
com a cabeça na lua
e os pés nas nuvens,
olhava,
olhava,
olhava ...
...aquela ternura encantadora que me dividia.

Embriagado por sonhos apaixonantes
não percebia o tempo passar
por entre o bailar da bailarina que não crescia
e o bater de meu coração inocente que amadurecia.

Encantado, fiquei cronicamente doente de amor;
e até hoje tentam me curar essa doença,
essa doce e meiga doença.

Mas eu não quero ficar curado.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

OFERTA

OFERTA
Oswaldo Antônio Begiato

Eu te ofereço
Todas as minhas rugas
Todos os meus calos
Todas as minhas obturações
Todas as minhas cicatrizes
Todas as minhas lágrimas
Todas as minhas mutilações
Toda a minha insônia
Todos os meus vícios
Todas as minhas próteses
Todas as minhas viroses
Todas as minhas micoses
Todas as minhas decepções
Toda a minha fome
Toda a minha sede
Toda a minha feiúra
Toda a minha ignorância
Todos os meus complexos
Toda a minha pobreza
Todos os meus recuos
Todas as minhas inversões

Leva-os embora daqui.

Eu quero varandas,
Pirilampos e borboletas,
Cercas baixas e brancas,
Jardins cuidados.

Eu quero cigarras ao entardecer.
Eu quero grilos ao anoitecer.

Eu quero casas livres,
Crianças aprendendo,
Adultos envelhecendo,
Anjos despreocupados.

Eu quero namorar no banco da praça.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

IMORTAL


IMORTAL
Oswado Antônio Begiato

Imortal
É quem sabe ler os lábios,
Obedecer aos olhos,
Ouvir o silêncio interior
E arrepiar a pele sem tocá-la.

Imortal
É quem sabe beijar sem boca
Nas horas mais agônicas da vida,
Inebriar-se com paisagens alheias
Mesmo com vendas escuras nos olhos,
Abandonar o sono letárgico
Sem a ajuda cruel do despertador,
Deixar-se penetrar sem fendas
Como óvulo à mercê do espermatozóide.

Imortal
É quem sabe amar sem coração.
É quem sabe absolver sem penitências.
Escrever sem palavras.
Perdoar sem crença.
Rezar sem fé.
Ensinar sem nunca ter aprendido.

Imortal
É quem morre à noite
Como um anão derrotado
E ressuscita na manhã seguinte
Como um gigante indomável,
Todos os dias,
O tempo todo.