quarta-feira, 7 de abril de 2010

AMOR SEM PENA


AMOR SEM PENA
Oswaldo Antônio Begiato

Levito quando, diante de ti,
Ouço teus oráculos;
Quiromante que és de meus desejos.

Dispo, diante de ti,
A túnica de Nesso,
Porque é a ti que minha alma ama.

Diante de ti, me consumo em êxtase.
Sem penar. Sem ruir.
Completamente enfeitiçado.

domingo, 4 de abril de 2010

CINZELAÇÃO


CINZELAÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

E quando o tempo terminar de esculpir meu corpo,
Com seus martelos pesados e seus cinzéis afiados,
Dele tirando todo o excesso de vaidades e matérias,
E do corpo, enxuto de músculos e pecados, minh’alma se apartar,
Espero ser compreendido pelas dores que, sem querer, causei
E ser admirado pelas dores que sofri na calada de meu viver.

Se é que o juízo final é mesmo uma balança imparcial,
E minhas cinzas puderem ser divididas em duas partes e um peso só,
Então que uma porção seja jogada no inferno e a outra no paraíso.

Que eu possa, finalmente, descansar em paz.

quarta-feira, 31 de março de 2010

MUNDO DA LUA


MUNDO DA LUA
Oswaldo Antônio Begiato

Eu vivo no mundo da lua;
Sou amigo particular do dragão
E tomo cerveja com São Jorge
Nas noites em que, cheia,
A Lua imita o uivar dos lobos.

Sou noivo da estrela cadente;
Ouço todos os pedidos secretos
Dos jovens com os sonhos em rebuliço
E quando brincamos na Via Láctea
Peço a ela que una os corações sensatos
Com a dobradiça das paixões dementes.
- Ela me obedece e eu a amo ainda mais.

E quando estou absorto no mundo da lua
Morro de paixão por ela,
Minha pequenina estrela menina,
Que achei cadente no meio do meu olhar,
No meio do meu olhar triste e solitário.

domingo, 28 de março de 2010

PIPA E PIÃO


PIPA E PIÃO
Oswaldo Antônio Begiato

que seu passar seja imagético
como são imagéticas
a sensualidade de teu cheiro
na minha imaginação:
- as imagens do teu corpo perfumado
distribuído em curvas atordoantes
de cá pra lá
de lá pra cá
flutuam na minha cabeça
como uma pipa que
vai ao céu
e volta
vai ao céu
e volta
até quebrar a linha e se entregar
rodopiando
rodopiando
à linha do horizonte sem curvas

terça-feira, 23 de março de 2010

PACIÊNCIA


PACIÊNCIA
Oswaldo Antônio Begiato

Não sei se é um novo amor
Que faz esquecer as dores
De um amor antigo que partiu,
Ou se é o tempo que,
Das dores de amor,
Cuida com seu passar vagaroso.

Não sei se é Deus
Que de tudo cuida,
De todas as feridas,
( as de desamor e as de amor),
Ou se quem de tudo cuida é o tempo,
Com seu passar vagaroso.

Seja quem for que cuide
Dessas dores todas,
Exige de nós paciência.
Muita paciência.

E assim vamos todos nós
Andando na corda bamba
Nesse circo de espantos
Onde somos pássaros indefesos.

terça-feira, 16 de março de 2010

CASO RARO


CASO RARO
Oswaldo Antônio Begiato

Somos um caso raro:
- Somos gomos de um ovo,
Ano novo sem fogo no rabo.

E essa rosa?
E essa roda?
E essa moda?

E o tal cravo?
E o tal trato?
E o tal prazo?
Onde está o vaso?

Sente a aorta?
E a corda?
E a porta?
E a orla?

Só as ondas nos levam.
As estrelas do mar nos desejam.
- Arrebentação!

Somos marítimos:
- Mar de ritmos,
Martírio mútuo.
- Tumulto!

E esse sol?
E esse chão?

Vêm eles
Do mesmo lugar?
Do mesmo luar?

Chão árido sem ritmo.

Mas saiba
Que toda vez
Que, com altivez,
Me arrancas de mim
(erva tenra que sou da terra)
Volto rente,
Volto diferente:

- Mais doído,
Mais doido,
Mais moído,
Mais caolho.

Réstia de alho.
Réstia de sol.
Restos de volta:
- Revolta!

E aí vejo
Tudo sem ângulo,
Engulo teu ego,
Viro por dentro
Carnaval de teu ritmo,
Mar de teu chamar,
Martírio,
Lírio... Lírio!

- Viro lírio viril. Delírio!

sexta-feira, 12 de março de 2010

quarta-feira, 10 de março de 2010

SEXO SEM NEXO


SEXO SEM NEXO
Oswaldo Antônio Begiato

e foi na borda
do corpo de cristal
onde o champanhe
escorreu pelo dorso
escorreu entre os seios
da bunda côncava
que vi a forma exausta
dos gozos exatos
depois de sorver
com meus poros
g
o
t
a

a

g
o
t
a
os arrepios que não eram meus

a partir desta escultura
passei a te aguardar
guardando-me
em sótãos impermeáveis
como aguardente
ardendo de amor
me queimando por dentro
e por fora e por cima e por baixo

te borrando com minhas cinzas
ias deixando restos de seu rosto
em meu riso sem juízo

quarta-feira, 3 de março de 2010

QUE ASSIM SEJA!


QUE ASSIM SEJA!
Oswaldo Antônio Begiato


Eu, que agora me isolo
Nos jardins de suas cercanias
Com a missão de cuidar de seus canteiros,
Do resto da vida abro mão.
De nada mais preciso.
Basta-me meu amor:
- Meu imenso amor por você.

Farei de mim jardineiro,
Servo devotado de suas anteses,
Remexendo suas terras,
Podando seus excessos,
Regando suas raízes.

Multiplicarei suas mudas
Com cuidado de pai,
Com devoção de mãe.
Espalharei seus polens
Com as mãos postas,
Com os pés submissos.
Proteger-lhe-ei dos predadores
Com redomas e venenos.
Afastarei de você as ervas daninhas
Com espadas e enxadas.

Adubarei seus passos
Com súplicas vastas.
Todo dia lhe colherei flores
Para adornar a alcova de meu amor:
- Meu imenso amor por você.

Que assim seja!

Com a água de dores
Que faço verter de meus olhos,
Manter-lhe-ei úmida e saciada.
Ferir-me-ei com seus espinhos,
Embriagar-me-ei com seus perfumes;
Matar-me-ão o tétano e a cirrose,
Mas a cada último suspiro
Ressuscitarei homem incansável
E fecundador pleno.

Que eu nunca perca de vista
Seus olhos florescidos
Nem deixe de provar
A gravidade de suas pétalas.
Que eu nunca lhe deixe sentir
Saudades minhas
Nem viajar pelas esperanças
Sem minha presença.

Que meu trabalho me mantenha fiel;
Que fiel se mantenha meu amor:
- Meu imenso amor por você.

Que assim seja!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A HISTÓRIA DE LÁZARA


A HISTÓRIA DE LÁZARA
Oswaldo Antônio Begiato

Pensou-se que tivera levado
a vida a cabo.
Foi dada como morta.
Mexeu o braço.
Mexeu a perna.
Abriu os olhos.
Ressuscitou!

Demorou-se além da conta.
Quando chegou,
o jardineiro já tinha passado.
Perdeu a poda
do entardecer.

Os médicos disseram
tratar-se da síndrome de Lázaro.
A filha, de milagre.

Agora vai ser flor
por mais algum tempo.

Ou fardo, quem sabe?

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

RETORNO


RETORNO
Oswaldo Antônio Begiato

Quando saí de minha terra
levei comigo meus pensamentos
minhas roupas de menino
e um desejo imenso de piscina.

Eu tinha então onze anos,
duas abotoaduras,
um livro de reza,
uma agulha, linha e botões,
um buquê de flores irreversíveis
e um botão de rosa imaginário.

Eram-me longos os meus dois braços;
na bagagem guardei várias tentações,
duas camisas fechadas feitas de saco de trigo
e um coração pequeno
onde dores iriam despertar,
mais cedo ou mais tarde.

Quando voltei
trazia comigo algumas mágoas de amor,
na alma um vazio novo,
todos os pecados do mundo
e um abraço completamente ausente.

Já era homem
impregnado por um buquê de vícios incorrigíveis;

não tinha mais pensamentos
mas ainda tinha um desejo imenso de piscina.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O SAL DA TERRA E DO MAR



O SAL DA TERRA E DO MAR
Oswaldo Antônio Begiato

Eis-me aqui, abobado, a teus pés
experimentando tuas umidades
e teus âmagos.

Deito-me imóvel na tua área focal
esperando ouvir os acordes
de tuas nascentes.

Quero encontrar minhas asas
e minhas guelras
e provar o ar livre
e o vôo rasante

Fundiram-me com barro
parco e seco vindo de uma terra
sem sal.

Sem funduras fiquei árido de ti;
sem tua água, sem teus abismos,
sem tuas lagunas, sem tuas lacunas.

Teus sais
matam-me a insipidez;
teus demônios
matam-me o medo.

Deixe-me, pois, ficar
assim diante de ti,
silente e inerte,
sorvendo-te sem angústias
até eu poder voar
para o outro lado de ti
e provar o teu inferno temperado.

Mais nada desejo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

VISÃO E CONSTATAÇÃO


VISÃO
Oswaldo Antônio Begiato

Nunca me vi
Nem mais gordo
Nem mais magro;
Nem mais alto
Nem mais baixo;
Nem mais longe
Nem mais perto;
Nem mais leve
Nem mais ferro;
Nem mais santo
Nem mais sujo;
Nem mais vesgo
Nem mais lince;
Nem mais homem
Nem mais mulher;
Nem mais bardo
Nem mais rude...

Nunca me vi
Nem quero ver:
- Sou a fraude
De meus olhos.

CONSTATAÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

À medida
que envelheço
As lágrimas
se escasseiam;
Cada gota
traz consigo
Um imortal
sentimento
de dor grave.

Não as gasto
com defuntos
ordinários.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

PRECAUÇÃO


PRECAUÇÃO
Oswaldo Antônio Begiato

Tenho sido terno:
- Dor, tristeza e solidão.
Dos três conjunto de um só,
Único me fiz muito terno;
Um trio que inspira dó.

Tenho sido posto:
- De saúde, no quartel
Tenente-coronel sem divisa;
Deposto nunca mais fui posto
No meu devido lugar.

Tenho sido rima:
- De restos putrefatos,
Lixo sem coletora mecânica;
Poeta não sei de rimas
Que não tenham identidade de sons.

Tenho sido andejo:
- Vontade cobiça e desejo
Num andamento desvairado
Procurando rimas postas
E um terno para ser enterrado.


Que eu seja vivo enquanto o terno seja nós dois:
- Calça e paletó.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O ENTREGADOR DE PÃES


O ENTREGADOR DE PÃES
Oswaldo Antônio Begiato

A mão que semeia o trigo
É a mesma que arranca o joio;
A mão que distribui o pão
É a mesma que recebe a educação.

Onde se ganha o pão cotidiano
Não se come a carne alheia.
No altar o pão vira carne,
No cálice, o vinho sangue tinto.

Não se preocupe com o pão.
Não se preocupe com o trabalho.
Logo que chegar a fonte e sua água fresca
Chegará a árvore frondosa e sua sombra.

Pagarão então, com pouco suor,
A conta do mercado vencida.
O dinheiro pouco do trabalho
Das pequenas mãos entregadoras de pão
Ajudará, como uma alavanca e seu apoio
Longe do mundo, a mover o mundo.

E um dia lhe serão dados,
Para deleite da mente e das confissões,
Pinga boa,
Fumo forte,
Mulher bonita.

É o que diz a língua do povo;
A língua do povo
É a língua de Deus.