segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

PINCÉIS EM MOVIMENTO


.................................................Abaporu - Tarsila do Amaral

PINCÉIS EM MOVIMENTO
Oswaldo Antônio Begiato

a Rita
acaba de descobrir
a rota

a rota
acaba de descobrir
a reta

a reta
acaba de descobrir
a roda

a roda
acaba de descobrir
a Rita...

...de uma das estáticas paredes
do Museu de Arte
Latino-Americana
de Buenos Aires
Abaporu
espia demoradamente
o desenho dos gestos
mudando as alavancas
que movem a terra
inventando inocentes
uma nova técnica
para curar a poesia

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

QUANDO CHEGA O CHEIRO DA UVA


QUANDO CHEGA O CHEIRO DA UVA
Oswaldo Antônio Begiato

Com o final do ano chegam à minha cidade
as barraquinhas onde se vende uva em caixas de madeira.
Elas se proliferam nas esquinas. Nas encruzilhadas.
Nas ruas estreitas. Nas ruas largas.
Nas estradas. Nos becos sem saídas.

Há na minha cidade sítios onde mãos rudes
na iminente chegada do Natal,
santamente se aveludam para a colheita da uva.
(É um ritual onde veludos se abençoam;
o da mão do viticultor
e o da pele do fruto maduro.)

Minha cidade é a terra da uva;
Uva Niágara -
rosada, branca.
Uvas de mesa.
Minha cidade é terra de uvas e de mesas.

Quando a uva por aqui chega
chega também a chuva.
Chuva de fim de tarde. Chuva fina.
Chuva de verão. Tempestuosa.
Chuva de granizo. Chuva granítica.
Tem chuva que a uva gosta, porque acaricia.
Tem chuva que a uva não gosta, porque machuca.

Minha terra é terra de uva no final do ano.
Minha terra é terra de chuva no final do ano.

E quando as uvas passam e as barraquinhas se vão,
pode-se ver por toda a cidade
flores brancas e dóceis,
pequeninas como um olhar
ternas como um perdão;
e minha cidade hospeda em suas ruas poesias órfãs.

Minha terra é terra de flor o ano todo,
de poesia dentro de mim desde sempre.

E é por isso que a lua,
tão distante, tão fria, tão pálida
vez por outra se despenca do céu
enfeita-se de flores
e se embebeda de vinho
nas noites chuvosas de minha cidade.

O alto falante do serviço de som da quermesse,
onde acontece a Festa Italiana
anuncia que o desvio de conduta não será tolerado.
E não será mesmo.

É nessa ocasião que a lua se parteja toda
em poesias rubras. Em poesias prateadas.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

PENITENTE INAMÁVEL


PENITENTE INAMÁVEL
Oswaldo Antônio Begiato

Onde há cruz não há manto.
Onde há manto, lança-se a sorte
Pois o manto não se divide
(Ele é peça única, sem costura
e a ele dono único será dado).

Não padeço de males pequenos.
Meus males vão além do túmulo.
Vão além da esperança. Além do material.

Aqui jaz o corpo novo de uma alma velha.
Nunca amada, nunca amou.
(Assim quero escrito com letra de forma
na minha pedra tumular)

Pois assim foi minha vida,
Que seja assim também minha eternidade.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

NASCIMENTO


NASCIMENTO
Oswaldo Antônio Begiato

Recobertas com pedras assimétricas
as ruas parecem guardar com precisão
a alma generosa das gentes
e a alma enigmática da cidade
onde a vida se transforma minuciosa
e as vertentes se põem à mostra
nos rejuntes graves das rochas,
guiando os passos incontáveis
a alisar as superfícies de um caminho
forjado a tempo e passagens.
Eles nunca são os mesmos,
mas deixam rastros invisíveis
nas entranhas do solo pétreo
e no polimento de suas faces.

Uma cidade é um canto
dentro de sua gente
e sua gente é vento
que carrega o canto
pelo mundo todo,
em alto e bom som,
ainda que pese a dissonância
de quem a quer demolida
e reconstruída em três dias.

Uma cidade é um canto do mundo
e o mundo de sua gente.

Um dia o asfalto vai cobrir,
contra vossa vontade,
as pedras indefesas de vossa memória,
e dentro delas manterá lacrada
a história de toda gente,
no instante em que a cidade,
embrulhada para presente,
se entristecerá de esquecimentos
e as almas se perderão no limbo da ignorância.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

MÚTUO


MÚTUO
Oswaldo Antônio Begiato

Tua chegada inesperada
quando o sal fazia suas flores na pele do mar,
afastou as ciladas da minha solitude
e trouxe a aliança que serviçal fundi pra ti
com o metal de minhas abnegações;

...ela combina com o colar;
o colar com o colo;
o colo com a busca;
a busca com o suor;
o suor com a dona;
a dona com o servo;
o servo com a aliança...

...e de tudo isso
fizeste-me dono único,
e dono de ti me fizeste
para sempre...

Tua entrega irrestrita
conferiu à minha alma
a chancela indelével
de minha pertinência a ti.

sábado, 8 de janeiro de 2011

FRÁGUA


FRÁGUA
Oswaldo Antônio Begiato

Às quintas-feiras a solidão te consome como uma frágua.
Nesse vácuo te abraça a morte dizendo tantas bobagens
Que os vales de teu rosto se enchem de uma nova água.

O coração empedernido teimosamente bate se abrindo.
Alado se põe nas alturas inventando inusitadas viagens
Por países onde as frutas são maduras e o absurdo é lindo.

Mas como vencer a luta inglória se lutas como Dom Quixote?

Humilde, pobre e casto permaneces irremediável sacerdote.

sábado, 1 de janeiro de 2011

FRANZIMENTO


FRANZIMENTO
Oswaldo Antônio Begiato
 
Com precisão
a indignação
é revelada pelo
franzimento da testa,
vociferadora severa
contra a iniquidade.
 
Por onde andam
a cesta de pão,
o litro de leite,
a festa feita,
o médico do caso,
o médio prazo,
o livro certo,
a escola aberta,
a escolha do chão?
 
Por onde anda
a terra prometida,
da qual fluirá
leite e mel?