domingo, 26 de setembro de 2010

A VESTE COM A QUAL QUERO ME VER COBERTO


A VESTE COM A QUAL QUERO ME VER COBERTO
Oswaldo Antônio Begiato

Perco-me nas palavras e não consigo encontrar
Aquela capaz de traduzir o medo de ver as vestes do tempo
Com as quais meu corpo teme ser coberto.

Penso que elas me fizeram outra pessoa,
Mas quando olho dentro de meus olhos
Vejo a inalterabilidade de meu íntimo. Estou nu.
Lá o tempo não me envolveu. Ainda há um pequenino me habitando,
Brincando de envelhecer, sem juízo. Lúcido. Feliz.

Rompido por trancos inesperados diante de tanta infância interna
E de um corpo tragado pelo roer impiedoso dos passamentos,
Refugio-me dentro de mim mesmo,
Onde fico protegido pelo manto parcial de meus olhos.
Onde fico criança eterna escondida das horas algozes.

E é tão bom ficar assim. Sem roupa. Sem corpo. Sem caduquices. Sem nada.
Guardado como joia rara que o tempo não ousa corromper
Com o pó da senilidade.
Guardado dentro de olhos tão maternos.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CANTIGA DE NATAL


CANTIGA DE NATAL
Oswaldo Antônio Begiato

Quando o natal vem chegando
meus vácuos, prole da infância,
se enchem de Avenida Paulista,
de formas e lâmpadas surreais,
de presépios sobre-humanos,
de presentes multiangulares,
de Boas Festas de Assis Valente...

Todo ano, no mês de dezembro,
com as preces cheias de vitrines
e de dúvidas sobre um céu ouvidor,
desperta em mim a criança viva
que nunca fui. Que nunca vi.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

EIS MINHA AMADA


EIS MINHA AMADA
Oswaldo Antônio Begiato

Com mãos faceiras e hábeis
Tomou seus versos impuros e sovados
Lavando-os com água fresca e amaciante.
A mais amante.

Pelo avesso,
Para que eles não perdessem suas rimas,
Entregou-os ao sol, através de varais fincados nos quintais,
Para que fossem iluminados com a luz da estrela.
Era tão bonito vê-la.

Enxutos, passou-os sob ferro em brasa
Borrifando neles perfumes feitos com extrato de flores
E lhes conferiu vincos impecáveis.
Poder-se-ia sentí-los sem pecados.

Feito isso, limpos e ordenados,
Guardou-os nas muitas gavetas de meu livro de cabeceira.

Fez-me apaixonado.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

AS PERNAS


AS PERNAS
Oswaldo Antônio Begiato

As pernas
outrora finas e esbeltas
eram tão levianas.

As pernas
agora gordas e inchadas
ficaram pesadas.

As pernas
outrora levianas e finas
deixavam rastros profundos,
agora pesadas e gordas
deixam só rastros discretos.

A vida é assim mesmo.