segunda-feira, 28 de junho de 2010

REGAÇO

Obra: Die drei Lebensalter der Frau - Gustav Klimt


REGAÇO
Oswaldo Antônio Begiato

Voltas com o teu regaço
cheirando agora à mulher,
despertando-me a compulsão
de nele deitar-me por inteiro,
e realizar meus destinos por teu corpo.

Envolves-me até os poros com este perfume
de madrugada interrompendo a noite.

Porque sem mim foste embora cedo
e no teu corpo febril não pude me aquecer
e dele me esquecer um segundo sequer
desde minha idade primeira
julguei-me por muito tempo órfão.

Já que voltaste, com o ventre fecundo,
permita-me repousar minha cabeça
acumulada de saudades de ti,
em teu regaço quente e materno
e impacientemente dizer:
- Te amo! Para sempre te amo!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

COLHENDO GIRASSÓIS

Obra - Menina Colhendo Girassóis - Laura Montania


COLHENDO GIRASSÓIS
Oswaldo Antônio Begiato

Olha para minhas mãos espalmadas;
- Elas estão cheias de promessas -
Já nem sei se caberão nas suas,
Tão cheias de caminhos novos;
- Os caminhos contêm saídas
Que as mãos palmilham sigilosamente.

Meus olhos nus apenas vêm as mãos;
- Que olhos nus poderiam ver as auroras solares?
A luz do sol queima as retinas de olhares nus,
Só os poetas poderão vê-las e manter os olhos incólumes.
E u não sou poeta. Sou caminhante peregrino.

Busco a saída que lateja dentro de mim
Feito uma crença. A religião é como uma estátua granítica
Que fica à mercê da ação do tempo;
O sol, a chuva, o vento e o vandalismo
Vão lhe moldando com talhadeiras enérgicas
Delas extraindo o medo dos castigos:
- Assim a alma vai ficando mais leve, e a morte mais aceitável.

Sou de todos os tamanhos, de todas as medidas, de todos os pesos,
De todos os escombros, de todas as sombras, de todos os castigos...
Venho do nada, do branco, do vácuo, do lodo, do adultério.
Sou apenas promessas. Vãs promessas que se esvanecem a cada passo,
Desse caminho feito de suavidades, e que não ouso experimentar.

Tu vens de uma terra cheia de luz de chuvas puras, de arco-íris, de águas transparentes.
Tu és caminhos muitos onde meus pés não têm passos.

Para que duas almas possam se encantar mutuamente
Preciso é que tenham a objetiva de seus olhos
Com o mesmo diâmetro, com o mesmo alcance
E se abrindo ao mesmo tempo.

Tão importante quanto os versos que escrevemos
São os girassóis que sagaz, deveríamos colher
Nas manhãs douradas nos campos que nos cercam,
Porque a nenhum poeta é permitido viver só de sua poesia.

Há que haver no poeta uma grandeza maior que sua poesia.
Há que haver no poeta uma aventura feita de gestos generosos.
Há que haver no poeta olhos nus que possam enxergar auroras solares.

Há poetas imensos que nunca escreveram um verso sequer,
Mas que inventaram gestos onde ninguém nunca havia antes acenado.
Há poetas cujo olhar encabula o sol. Não precisam de palavras.

Quanto a ti, minha vida, se te proibirem de ir por esses caminhos
Que tuas mãos deitam sobre o meu passar,
Porque dele já colheram todas as flores,
Vá assim mesmo.
Saiba que não vieste para colher;
Vieste pra espalhar sementes.
A colheita não é tua responsabilidade.
Já não sei separar mais o que são desejos teus,
E o que são desejos meus. Deixe que os girassóis colho eu.

O que me consola é saber, no entanto,
Pelo bico doce de uma coleirinha, abençoada pelo açúcar santo,
Que veio me contar na manhãzinha desse domingo de ramos,
Que o meu poeta amado, e amado poeta que vive dentro de mim,
Além de disseminar versos marotos,
Está sempre caminhando pelo cemitério dos pobres em Sobral
- Quase nu (olhos e pele) -
Com uma cesta de girassóis dourados nas mãos
Derramando sobre túmulos toscos e abandonados
O perfume dessas flores douradas
E as distribuindo em vasos solitários.

Tomara, Deus, que seja verdade.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O PALHAÇO E SUA FLOR


O PALHAÇO E SUA FLOR
Oswaldo Antônio Begiato

Ele não tem mais lágrimas visíveis:
- Os maquiadores práticos de plantão,
No uso de suas atribuições ocultadoras,
As retiraram de seu rosto, amiúde.
Com tintas faciais e nariz de mentira;
Nele colocaram longas horas vagas.

Vagas horas de dor escondida
Sob um véu que cai no meio da arena.
- Por conta desse número parece feliz.

Feliz parece. Não é infeliz. Certamente.
A tristeza é que vez por outra
Aflora por lá. Abotoa e aflora.
Mas como toda flor cheia de requinte,
Frágil abotoa, aflora e fenece.
Finda rapidamente. Efemeramente.
Para o bem de nossas estagnações.

Para o bem da alegria intensa e expansiva,
Que as crianças avivam dentro dos olhos;
Olhos miúdos e úmidos. Ao vê-los juntos.

Há coisas que só os pequenos enxergam.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

MINHA NAMORADA


MINHA NAMORADA
Oswaldo Antônio Begiato

A minha namorada
Tem nos olhos sorrisos,
Nos lábios um azul,
Nos cabelos flores brancas
E pensamentos avulsos.

Nos seios tem sutiãs
Soltos,
Nos ombros,
Alças brancas
De um desejo que se revela pagão
E me convida pro batismo de fogo.

Tem no ventre
Uma dança livre
E uma renda
Bordada à mão
Com entrelinhas maliciosas.

Tem entre as pernas
Um vão livre arquitetônico
Onde cabem entradas
E saídas
Nunca antes desenhadas,
Nunca antes projetadas.

As mãos são carícias
Que o tempo não impede
E a vida não proíbe.

E quando
suas
mãos
Alternam-se
em
Cume
e
Alicerce
Seu
corpo
ganha
Graça:

Um edifício;
O mais alto da cidade.

Quando nua se deita
O ambiente em volta desaparece
E a lua passa a ser do tamanho
de uma bolinha de gude
feita de aço inoxidável.
Seu sono invade o corpo:
Dormem cabeça e tronco e membros
E dorme a alma
E dormem os lençóis e as colchas.


Se olha,
Olha longe,
Olha perto,
Olha no olho,
E nos olhos se lê
Todo o seu desejo,
Que nunca foi secreto,
Mas que sempre esconde de mim
E eu sempre descubro.
E, olhando,
Deixa-se possuir
E possui
Nas horas normais
E nas extras,
Exaurindo-se
Em pêlos ouriçados
E peles em chamas.

Depois desperta,
Mas permanece sonhos
Que nunca se esvaem,
Que nunca se realizam.

E há tantos cabelos em sua nuca
Que nunca se esgotam,
Nem mesmo quando o vento lhe arranca desatavios.

E em seu corpo
Há tantos pêlos transparentes
Que o corpo se multiplica
em milhões de outros corpos
transluzentes.

Os cabelos caídos sobre os seios
São cascatas e cachoeiras
E quedas de brilhos,
Que refrescam os olhos de quem vê
E a boca de quem prova.

A silhueta se faz majestade:
Turbilhão de onde saem magias
E entram intenções;
E se seu braço abraça o seio
No seio da luz que a ilumina alucinada
Ela vira espírito,
Sopro,
Fada,
Fantasia...


Seu perfil é montanha selvagem,
Abismos íngremes,
Vácuos inexploráveis.
Os poros criam erupções
Por onde saem salsas-ardentes
E purezas inesgotáveis.

Suas curvas desdobram-se em perspectivas
Que vão de um tornozelo a outro,
De um bico a outro,
Por onde andam bondinhos de pão e de açúcar.

Seus arrepios esboçam suas nádegas
Em duas partes simetricamente arredondadas,
Simetricamente saborosas:
Perdição de caminhos
Nas curvas sinuosas,
Nos horizontes de delicadezas.

Tudo nela não faz sentido.
E tudo é tão preciso.

É poesia que escorre pelo corpo
Sem rimas,
Sem curso,
Sem trilho,
Sem guias,
Sem limites,

Ela é minha namorada.