quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

BARRO E SOPRO



BARRO E SOPRO
Oswaldo Antônio Begiato

As pessoas
intensas
imensas
e densas
são feitas
de barro,
de sopro...

De barro
para que as
sementes
germinem.

De sopro
para que as
sementes
se espalhem.

Tudo mais
é pedra,
é vácuo.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

TRANSPARÊNCIA

TRANSPARÊNCIA
Oswaldo Antônio Begiato

Ficar transparente é uma delícia.
É como se fossemos rima toante de Cecília,
Nas aventuras da Inconfidência.

Ninguém vê a gente
E a gente pode ler Manuel,
O Bandeira, sem cerimônias.
Se quiser pode-se lê-lo nu,
Na estrela da vida inteira.

É bom beliscar as pessoas
E vê-las desesperadas
Querendo saber quem é que foi,
E ficar imaginando o que é que Cora,
A Coralina, diria disso tudo;
Ela, Aninha, suas pedras e seus doces.

Pode-se ainda roubar o pão de queijo
Do prato do patrão,
Enquanto se lê Fernando,
O Pessoa, no silêncio da noite que se apaga
Para que reinem lua, estrelas e poesias,
Enquanto se finge ser poeta.

Pode-se mudar os quadros de lugar,
Nas paredes e nas pessoas
E se sentir duendes.
Mas Lobato, o Monteiro que andou
Inventando estórias, diria que foi o saci.
As pessoas visíveis, não sabem
Nem de duendes, nem de sacis.

Mas não há fórmula pra se ficar transparente.
Fica-se assim, transparente, muitas vezes,
Durante a vida,
De uma forma espontânea.
Sem querer ficar.

Mas ser transparente, pode não ser uma coisa boa.
Conheço meninos que ninguém os vê.
Deixam-nos com fome,
Sem tomar banho,
Com piolho no cabelo,
Com a pele arrepiada de frio,
Com as cabeças sob bombas
De uma guerra imbecil,
Sem nenhum livro
Pra que possam aprender
As várias maneiras de tirar vantagens
De ser transparente.
As várias maneiras
De ser poesia.

domingo, 18 de janeiro de 2009

IMPOSSÍVEL


IMPOSSÍVEL
Oswaldo Antônio Begiato

Quero pra mim nesse amanhecer
A boca cheia d’aguardente,
Os olhos cheios de paisagens,
Os ouvidos cheios de bemóis,
E um sorriso que seja eterno.

Quero pra mim nesse entardecer
Uma melancia vermelhinha,
Um mar repleto de horizontes,
Uma pauta e uma clave de sol,
Nos dentes a brancura d’alma.

Quero pra mim nesse reencontro
O beijo ávido e imaculado,
A nudez santa e pecadora,
A melodia impertinente,
E uma alegria inescusável.

Quero pra mim, mesmo morrendo,
A tua mais preciosa presença.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A MINHA ALDEIA

Vila Rami - Jundiaí - São Paulo - Brasil
E pensar que minha aldeia foi tão pequena

VILA RAMI, SUBSTANTIVO PRÓPRIO FEMININO
Oswaldo Antônio Begiato


Minha aldeia, quando ainda era aldeia
E eu mais aldeia ainda no meu apoucamento,
Fez-me extasiar por suas mulheres.

Mulheres Almeidas - meigas e tenazes,
Mulheres Beneditas e tantas outras benditas:
Rezavam e trabalhavam – Trabalhavam e rezavam,
Mulheres Nogueiras: extrato e remédio
Lídias: femininas de lírios
e tantas outras abençoadas:
benziam amor e quebranto.

E havia mulheres artesãs
- modelavam louças e caráter
e fiandeiras dóceis
- teciam tecidos e ilusões
e panificadoras hábeis
- amassavam o pão e modelavam a hóstia
e cozinheiras abnegadas
- multiplicavam o alimento e os amores
E varredoras eficientes
- limpavam quintais e lágrimas
e industriárias registradas em carteira e sem registro civil
- transformavam a matéria prima em poesia concreta.

Havia donas-de-casa submissas
- preparavam a casa e seus filhos para seus maridos que chegavam cansados e bêbados
(As donas de casa morriam sem nunca ter vivido)

Todas eram mães extremadas.
Todas santas circunspectas.

Retenho na memória a lembrança dessas mulheres
E de tantas outras mulheres fortes,
meus amores primeiros:
- Mulheres grandes de minha aldeia pequena!


Dentre elas amava uma pequenina grande rainha
(Minha mãe era pequena e se chamava Regina)
Cujas preces Deus ouvia com zelo especial
Pra me fazer crer que minha aldeia
Era um pedacinho do céu... E eu acreditava piamente

- Foi lá que aprendi que mulheres são gigantes!


quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

POTE DE VIDRO


POTE DE VIDRO
Oswaldo Antônio Begiato

Tudo o que eu queria,
nas minhas infindáveis horas de desamparo,
era a companhia de um pote de vidro gordo e redondo
cheio de gomas coloridas e açucaradas,
e outro de bolinhas de gude,
coloridas e de todos os tamanhos.

Quando moleque, eu tinha só esses dois sonhos;
eles faziam meu abandono parecer dádiva.

- Por serem doces e coloridos, acho.

Por que será que nunca sonhei com mãos meigas,
com colo me aquecendo
e com histórias me fazendo adormecer?

Por que será que nunca sonhei com lápis apontado,
com uma borracha indestrutível
e com palavras me fazendo a dor me ser?

Por que será que até hoje
tenho só esses dois sonhos
- gomas e bolinhas de gude coloridos -
adormecidos nas prateleiras empoeiradas da paciência
em potes de dores que nunca consigo abrir?

- Por serem gordos e redondos, acho.